Jornalista e mestre em gestão de turismo e hospitalidade, com um MBA em marketing digital, Ana Duék é uma das pioneiras a falar sobre turismo sustentável no Brasil.
Com 15 anos de experiência em comunicação para empresas e associações do setor, ela usou esse conhecimento para criar o site Viajar Verde. A publicação traz dicas de turismo responsável nos quatro cantos do mundo.
O conteúdo fica mais rico com as vivências de Ana, que topou conversar com o Quanto Custa Viajar sobre essa experiência de enxergar no turismo o potencial de gerar impactos positivos e transformadores para todos – e aproveitou para desmentir alguns erros comuns associados à sustentabilidade no setor.
Essa é a segunda entrevista da série “O mundo é delas“, em que nos propomos a dar voz para mulheres incríveis que estão redefinindo o conceito de viagens de um jeito muito especial.
Aproveita para conferir também o bate-papo que tivemos sobre minimalismo e viagens com a Caroline Abreu.
Turismo sustentável, com Ana Duék
Equipe Quanto Custa Viajar – Como surgiu o interesse pelo turismo sustentável? Você começou a viajar antes de se interessar pelo tema ou passou a refletir sobre o turismo depois de se tornar viajante?
Ana Duék – Eu confesso que eu sempre amei viajar. Sempre viajei, mas sem pensar muito nesse olhar para a questão dos impactos que o turismo causa nos destinos, nas pessoas, enfim… Em 2010, quando eu estava fazendo o meu mestrado em Londres, foi a primeira vez que comecei a ouvir falar nessas questões. Eu tinha aula sobre turismo sustentável e tinha um professor super incrível, que foi a primeira pessoa que me abriu os olhos para ver que a indústria do turismo não é só maravilhas, né? Que tem muitas questões envolvidas, que também vários impactos são causados no mundo. Foi a primeira vez que eu comecei a pensar e refletir sobre as viagens e em como é que a gente podia viajar de uma forma mais positiva.
Depois eu voltei para o Brasil, continuei trabalhando com comunicação para empresas de turismo e, em 2014, 2015, quando eu fazia assessoria de imprensa para o turismo da Nova Zelândia, comecei a entrar em contato novamente com várias iniciativas que eles estavam fazendo nesse sentido de sustentabilidade, de um turismo mais responsável. Passei a ver as pessoas começando a comunicar lá fora essas iniciativas das empresas, ver alguns sites específicos voltados para isso e a pensar que a gente tinha pouco espaço aqui, que ninguém estava comentando, comunicando… Ou não existiam essas iniciativas ou elas não estavam sendo divulgadas, né?
Depois eu acabei descobrindo que já tinha muita coisa positiva acontecendo aqui. A gente é muito pioneiro nessa área de ecoturismo, por exemplo, que é o turismo de natureza já pensando de forma sustentável. Mas não tinha espaço para divulgar e foi aí que eu tive a ideia de criar um site pensando em comunicar essas ideias, essas práticas no Brasil e no mundo todo para servirem de inspiração não só para as outras empresas de turismo e destinos, mas também para os viajantes começarem a mudar os hábitos deles.
QCV – Como você definiria o turismo sustentável?
Ana – Turismo sustentável, no meu entendimento, é aquele que equilibra, da melhor forma possível, os impactos causados pelas viagens no meio ambiente, nos destinos, nas culturas e economias locais, fazendo com que todos se beneficiem. Eu entendo que a sustentabilidade plena seja ainda muito difícil de se alcançar em muitas situações de viagens e também no dia a dia. Por isso, muitas vezes prefiro usar o termo turismo responsável, como um caminho de mais consciência para alcançarmos o objetivo final, que seria o turismo sustentável.
É muito importante também que as pessoas comecem a entender que o turismo sustentável não é um nicho, como o ecoturismo; não precisa estar relacionado somente à natureza; e pode ser para todos. Esses são mitos que precisamos desfazer para que a sustentabilidade no turismo se torne parte de qualquer atividade, de qualquer nicho e de qualquer viajante!
QCV – Você comentou antes que o Brasil é pioneiro em ecoturismo. Pode citar algumas iniciativas bacanas que conheceu pelo país?
Ana – Ainda conheci poucas e preciso explorar muito mais! Mas posso dizer que, do que vi de perto, os hotéis fazenda Parque e Campo dos Sonhos, em Socorro, São Paulo, são exemplos incríveis de como um hotel rural para famílias pode ser ambientalmente responsável e ainda inclusivo. Eles são exemplos pioneiros, já com vários prêmios em acessibilidade e inclusão de crianças com deficiências, cegos e cadeirantes.
Ainda não tive o prazer de conhecer Bonito, mas sei que o destino é também um exemplo de organização para a sustentabilidade. Embora atualmente a cidade esteja sofrendo com questões relacionadas ao desmatamento e expansão deliberada da agricultura, os empresários que atuam ali sempre tiveram soluções para preservar ao máximo os ecossistemas locais.
O ecoturismo no Brasil já é debatido desde a década de 1980, quando a Embratur começou a divulgar nossos atrativos de natureza. Nós hoje ainda não temos uma Política Nacional de Turismo Comunitário, por exemplo, mas a Política Nacional de Ecoturismo já existe desde 1994. Nessa época já se pensava em sustentabilidade, porque as pessoas envolvidas com o ecoturismo e o turismo de aventura entendem que dependem da natureza para continuarem suas atividades.
Com o potencial que temos para o ecoturismo, hoje já temos várias outras iniciativas interessantes, como os projetos de preservação de espécies que aproveitam o turismo para conscientizar viajantes e se viabilizarem economicamente. São os casos, por exemplo, do Projeto Onçafari (MS), da Rota da Baleia-Franca (SC), o Projeto Tamar, o Projeto Golfinho Rotador (Fernando de Noronha) e o Projeto Baleia Jubarte (BA).
QCV – Já que estamos falando sobre isso, conta pra nós: qual o seu destino sustentável preferido?
Ana – Não sou muito fã de definir destinos como “sustentáveis”, pois, como já disse, acho que a sustentabilidade completa ainda é algo distante para alcançarmos em qualquer lugar. Todos os destinos, sem exceção, ainda têm muito a melhorar!
Tenho uma paixão especial pelo México. Lá conheci alguns projetos e destinos de turismo comunitário e ecoturismo que são realmente encantadores: a Ruta de La Chinantla, em Oaxaca, e a Reserva da Biosfera de Sian Ka’an, em Quintana Roo. No Brasil, meu coração está em Fernando de Noronha. Mas, embora a preservação ambiental seja uma questão bem evoluída por lá, a comunidade local ainda vive à margem de todo o glamour e movimentação econômica gerada pelo turismo.
É o que, de certa forma, também acontece ainda no Atacama, outro lugar pelo qual eu sou apaixonada. Em oposição, conheci esse ano iniciativas incríveis de inclusão da comunidade no estado de Kerala, na Índia, mas por lá a gestão do lixo e o cuidado com o meio ambiente ainda estão mal solucionados.
Valle del Arcoiris, um passeio colorido no Deserto do Atacama
QCV – Na sua opinião, quais as principais preocupações que um viajante deveria ter na hora de pensar em práticas mais sustentáveis durante uma viagem?
Ana – Eu sempre digo que a primeira iniciativa do viajante deve ser ler, se informar, pesquisar. Assim ele vai poder não só aproveitar melhor o destino, mas também entender como respeitar as pessoas e a cultura local. A informação e a comunicação são, sem dúvidas, super aliadas do turismo responsável. Se informando, o viajante também pode evitar ciladas como projetos de voluntariado que no fundo não beneficiam ninguém (só as empresas que agenciam) ou atrativos que maltratam animais.
Buscar iniciativas, passeios, hospedagens e compras que incluam e gerem retorno para a comunidade local também são atitudes essenciais. E buscar sempre os meios de transporte mais sustentáveis: a pé, de bicicleta ou transporte público, evitando ao máximo as viagens de avião, que são das maiores atividades emissoras de CO2 no mundo.
Antes de fazer as malas, entenda o que é o turismo consciente e por que é tão urgente
QCV – Para finalizar, um assunto que levanta muitas dúvidas. Muita gente acredita que fazer um turismo mais consciente é caro demais. Você concorda com essa ideia?
Ana – Não! Eu penso que esse é mais um dos mitos que precisamos desfazer! O turismo sustentável ou responsável está aberto para todos e acho que, o que puder ser feito, é melhor que nada. Da mesma forma que existem hotéis de luxo responsáveis, existem albergues também super engajados ou lugares onde você pode se hospedar na casa de um morador de uma comunidade local. Andar de ônibus, por exemplo, é muito mais sustentável do que voar.
E carregar sua garrafinha vai te fazer economizar muito em compras de garrafas d’água!
É claro que algumas iniciativas às vezes têm custos mais elevados porque estão começando e a nossa demanda ainda é pequena. Mas, na hora em que todos os viajantes estiverem “consumindo um turismo mais consciente”, as próprias empresas poderão baixar seus custos.
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