O filme “A Praia”, estrelado por Leonardo Di Caprio, ajudou a dar fama à linda ilha de Maya Bay. Mas com as redes sociais, o local voltou a encher, chegando a um impacto ambiental tão grande que teve de ser fechado em 2018. O turismo de massa na Tailândia foi tido como o primeiro fenômeno contemporâneo alarmado pela mídia, forçando o governo a tomar providências emergenciais e a reeducar os viajantes.

Não deveria ser surpresa que uma praia com apenas 250 metros de comprimento e 15 metros de largura não suportaria o número excessivo de turistas alcançando suas areias. No último ano, 38,3 milhões foram ao país asiático em busca de sua cultura e praias paradisíacas, e ao menos 10 milhões eram da China. Segundo a Embaixada Brasileira na Tailândia, 80 mil brasileiros visitaram o país em 2017. Em comunicado ao Quanto Custa Viajar, escreveram: “por observação, pode-se dizer que o movimento de brasileiros continua em alta”. Em 2018, foram registrados 15 casamentos na embaixada.

Foto: girls go

Projeções indicam que neste ano há chances de chegar aos 41 milhões, enquanto uma análise do Financial Times aponta que o turismo tailandês pode subir para 60 milhões ao ano até 2030. O problema é que, na era onde vale tudo para um clique perfeito, a falta de disciplina e consciência ambiental nem sempre são reveladas pelas fotos no Instagram.

Inicialmente, foi anunciado que a popular Maya Bay, baía na ilha de Koh Phi Phi Leh, ficaria fechada por três meses, de junho a setembro de 2018. A medida veio como uma forma de frear os 200 barcos e até 10 mil visitantes por dia, em seu período de auge, imersos na paisagem cinematográfica. Não demorou muito tempo para o governo tailandês anunciar que o período se prolongaria até 2021.

A razão do fechamento de três anos foi anunciada pelo Departamento de Parques Nacionais, Vida Selvagem e Conservação de Plantas, responsável por monitorar e proteger os ecossistemas do país: recuperação da fauna marinha.

Paisagens idílicas, mas ameaçadas. Vale a pena viajar assim?

A beleza hipnotizante de Koh Phi Phi, onde fica Maya Bay – Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

Após estudos, foi constatado que era necessário poupar o meio ambiente por mais tempo e também aplicar melhorias de infraestrutura, como a construção de banheiros, um deck para caminhada, uma doca para barcos turísticos e uma residência para funcionários manterem a fiscalização.

“Era surreal oque acontecia em vários lugares aqui. Tinha muita gente, muita gente mesmo circulando. Maya Bay era o passeio mais broxante que uma pessoa poderia ter! Mas, mesmo hoje, o turista ainda pode chegar perto da ilha, só não pode pisar na areia mesmo”, contou o mergulhador brasileiro baseado na Tailândia, Jhonatta Fagundes, ao QCV.

Além de manter recifes de corais, que foram danificados pelo aumento de pessoas e barcos circulando no mar, a ilha é habitat e berçário de dugongos, um mamífero marinho, que tem sido encontrado morto nos arredores. A causa apontada em autópsias seria falha no sistema respiratório. A espécie está ameaçada de extinção e no momento há esforços para aumentar sua população na Costa Trang.

Será implementado ainda um sistema de e-ticket na reabertura, como controle de quem chega e quem sai da pequena ilha. Segundo o biólogo e membro do comitê de parques nacionais da Tailândia, Thon Thamrongnawasawat, o número limite de visitantes por dia será de 2.400 na alta temporada. Ele avaliou que limites de tempo de permanência talvez sejam inclusos na conta do turista.

O projeto piloto irá testar um sistema de agendamento online para acessar Koh Phi Phi, na tentativa de reduzir os turistas e a corrupção, visto que dessa forma há uma garantia maior de que as taxas de inscrição cheguem aos cofres públicos e, consequentemente, ao fundo de manutenção do parque.

A saber: depois da notícia de Maya Bay ter fechado, o número de visitação em Krabi caiu. Porém, a província conta com três parques nacionais e 154 ilhas. Ou seja, não se preocupe, porque ainda há muita coisa para ver por lá!

Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

O biólogo já afirmou oficialmente que a Tailândia já perdeu quase 80% de seus bancos de corais em decorrência da exploração turística. Além de barcos cortando as águas o tempo todo, reside neste fato o aumento de lixo gerado por pessoas, em hotéis, restaurantes e nas praias. O plástico é apontado como um dos principais vilões da vida marinha.

Um estudo realizado pelo grupo de defesa ambiental Ocean Conservancy revela que Tailândia, China, Indonésia, Filipinas e Vietnã estão despejando mais plástico nos oceanos do que todo o resto do mundo junto.

Foto: divulgação/Trash Hero Thailand

Ainda no histórico de consequências recentes do turismo de massa na Tailândia, as ilhas Koh Tachai, Koh Khai Nok, Koh Khai Nui e Koh Khai Nai também passaram por períodos de recesso no ano de 2016, devido ao mesmo problema: alta concentração de turistas e barcos por m². O Departamento de Recursos Marinhos e Costeiros também fechou Bamboo Island, em Koh Phai, por dois anos, reabrindo em 2018, após a recuperação dos recifes de coral.

Em outubro passado o governo proibiu que visitantes passassem a noite no arquipélago de Similan, na área protegida do Parque Nacional de Mu Koh, província de Phan Nga, a cerca de 80 quilômetros a noroeste de Phuket. O lugar chegou a receber até 7 mil pessoas por dia, o que acabou degradando os coloridos recifes de corais.

A partir de 2019, o número foi limitado a 3.325 turistas e 525 mergulhadores diariamente. Os barcos com capacidade para mais de 100 pessoas foram banidos. Mas isso não foi o suficiente. Em maio deste ano, foi anunciado que as ilhas Similan e Surin permanecerão fechadas durante 5 meses para recuperação dos recursos naturais.

Segundo Leonardo Pugliese, representante da Autoridade de Turismo da Tailândia no Brasil, é comum que se tome medidas de fechamento preventivo sazonal. Nos últimos anos, ele apontou ao Quanto Custa Viajar que, além de Maya Bay, os seguintes locais foram fechados por alguns períodos:

– Algumas áreas de mergulho nas ilhas de Ko Hin Daeng - Hin Muang, Ko Ha e Ko Rok, localizadas no Parque Nacional Mu Ko Lanta (província de Krabi);
– Parque Nacional de Hat Chao Mai (província de Trang);
– Ilhas de Koh Lipe, Ko Adang e Ko Rawi localizadas dentro do Parque Marinho Tarutao (Província de Satun).

Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

E nem só as praias enfrentam problemas. As cidades de Chiang Mai, Bangkok e Phuket estão cada vez mais lotadas, mas carecem de infraestrutura para atender não só os turistas, como para a própria população local, que têm sua paz roubada em períodos muito movimentados.

A capital, Bangkok, bateu recorde de visitação no ano passado, chegando a 20 milhões de estrangeiros circulando por suas ruas ao longo de 12 meses. A cidade foi considerada a mais visitada do mundo segundo a pequisa Global Destination Cities Index, ficando na frente de Paris e Londres. Os dados apontam que os turistas ficam de 4 a 7 noites, gastando em média US $ 173 por dia.

O feriado de Songkran, ano novo e uma das datas mais movimentadas do país, arrecadou 22.07 bilhões de baht neste ano, apontando para uma crescente de 15% a cada temporada. No período, de 12 a 16 de abril, o número de estrangeiros chegou a 543.300.

Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

Ainda dentro das festividades, o Loy Krathong também traz déficits ambientais. O festival que leva inúmeras lanternas, acesas pelas pessoas, a flutuar nos céus e oferendas para as águas do rio, num gesto de agradecimento, acontece anualmente durante a lua cheia, no mês de novembro em Chiang Mai, Bangkok e outras regiões. Cerca de 93% dos barquinhos são biodegradáveis, enquanto outros são feitos de espuma.

O fato de boa parte ser elaborado com materiais naturais não elimina o papel de vilão. Caso não sejam recolhidos, podem estragar a água e poluir a atmosfera. No último ano foram retiradas 6 toneladas de lixo dos rios após o festival.

A Full Moon Party tem sido alvo de críticas porque começa com muita alegria mas termina em profunda tristeza. Mais de 10 mil viajantes do mundo todo vão para se divertir e ver de perto a cultura do país na festa que dura a noite toda em Koh Phangan. O que sobra no final, porém, é um rastro de lixo em meio a paisagem natural. A TBJ Productions fez até um documentário para alarmar o público sobre o assunto.

Prejuízo do tamanho de um elefante

Outro problema na Tailândia são os passeios e shows com elefantes (que aprendem a pintar, arremessar dados e outras bobagens), que entram constantemente nos debates ecológicos, porém, até o momento, são consideradas atividades legais e até “obrigatórias”.

De 1900 para 2018, a quantidade de elefantes selvagens no país caiu em 50%. Submetidos a treinamentos físicos e controles psicológicos, mais da metade deles são mantidos em cativeiro e, adivinha, são utilizados para fins turísticos, chegando a trabalhar por até 12 horas por dia.

Alguns episódios cruéis chegaram a ser noticiadas para chocar a população. Em maio deste ano, foi divulgado um vídeo no qual um bebê elefante -  que ganhou o apelido de Dumbo  - estava visivelmente estressado e abatido ao fazer uma performance diária de dança num zoológico de Phuket. As imagens captam duas de suas pernas fracas e magras quebrando durante o ato, para a infelicidade de quem queria ser apenas entretido por ele. Sob péssimas condições de saúde, o animal acabou morrendo depois.

um filhote de elefante pode valer até US$ 60 mil, o que incentiva a caça ilegal.

Turismo de massa também banca os maus tratos aos elefantes, utilizados para entreter  – Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

Ou seja, a exploração animal é outro desafio ambiental e alimentado pelo turismo de massa na Tailândia. Com as denúncias de maus tratos, surgiram então oportunidades de contato sem crueldade com os gigantes mamíferos ameaçados de extinção nos chamados santuários, que visam o resgate e a proteção da espécie. As visitações aos centros de preservação ajudam a financiar os cuidados e a mantê-los em atividade. É uma opção mais ética de conhecer e interagir com estes animais.

Em Chiang Mai, o Elephant Nature Park tem atuação desde os anos 1990, sendo reconhecido como um dos principais pólos de conservação. Em Kanchanaburi, a experiência pode ser ainda mais intensa do que uma simples visita. O santuário Elephants World oferece vários programas, de um a dois dias, ou pacotes que dão a chance do viajante acompanhar o elefante por até 4 semanas.

Passeio ético é seguir atrás do elefante e não montado em cima dele. Foto: divulgação/Elephants World

Os planos de contenção

O turismo é uma fonte de renda absurda para a Tailândia e não há nem planos de desincentivá-lo. O setor cresceu 123% desde 2010 e chegou a gerar US$ 62 bilhões em receita no ano de 2018, um recorde para o país. O aumento do fluxo de viagens internacionais também trouxe a expansão de seis aeroportos e a construção de outros dois, um em Chiang Mai e outro em Phuket, ampliando a capacidade para até 150 milhões de passageiros/ano até 2030. Ou seja, causa e efeito dos excessos ainda não encontraram um equilíbrio.

Depois dos prejuízos colhidos em 2018, as autoridades locais trataram de criar medidas para implementar o turismo sustentável na região. O Plano de Ação da Autoridade de Turismo da Tailândia mira na construção de redes turísticas ambientalmente conscientes, na conscientização da gestão de resíduos durante os populares festivais locais e na promoção da gastronomia criativa.

Segundo Leonardo, o episódio de Maya Bay alarmou as autoridades não apenas locais, mas ao redor do globo. “Seu fechamento permanente trouxe à tona a importante questão sobre os impactos do turismo massivo sobre a natureza (não só na Tailândia, mas em todo o mundo). Se queremos continuar com Maya Bay, precisamos cuidar de Maya Bay”, declarou.

Para ele, a decisão de fechar as praias prejudicadas pela ação humana tem funcionado para recompor o ecossistema. “Normalmente a restrição ocorre dentro do período de monções, quando o número de turistas é consideravelmente menor. Embora as autoridades tailandesas tenham ciência de que as medidas não resolvam em 100% o problema, a natureza consegue de alguma maneira ganhar um certo fôlego e se recompor ao deixar de ter contato direto com o homem, mesmo que por um período de tempo.”

Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

Conforme dito na reportagem, o fechamento anual de atrações já é uma prática comum no país, não apenas por questões ecológicas, mas também por questões de segurança, pois o período de chuvas costuma ser alarmante. No ano passado, várias atrações em 66 dos 147 parques nacionais se mantiveram desativadas, de acordo com o clima e as condições das áreas de preservação.

Em um comunicado oficial, o Sr. Yuthasak Supasorn, governador da Autoridade de Turismo da Tailândia, afirmou: “o rejuvenescimento natural é a chave para preservar a biodiversidade e a qualidade intocada da natureza surpreendente e dos recursos naturais da Tailândia. Acredito que o fechamento de várias atrações em determinados meses durante a estação chuvosa demonstra o compromisso da Tailândia em garantir uma gestão ambiental sustentável do valioso patrimônio natural do país “.

Embora seja melhor do que não fazer nada, a medida é passível de crítica: ao se pensar no termo preservação da natureza, é visível que o governo tailandês não trabalha para preservar, mas sim para restaurar o estrago feito. A cada ano, as autoridades aproveitam os frutos e lucros da alta temporada permitindo que as praias e ilhas ultrapassem suas capacidades, chegando a números exorbitantes de pessoas. A fauna e a flora se desgastam, numa sequência inesgotável.

Só a partir daí, no período das monções e, consequentemente baixa temporada, são tomadas as mesmas atitudes de sempre: fechar o local, na esperança de que a natureza faça seu papel de renovação. Ficar nesse ciclo é realmente saudável? Preservar é manter a natureza intacta, mantê-la viva. Permitir sua destruição para que depois se renove não é o que se pode chamar de “preservação”. É um desrespeito. Se todos pensarem com essa lógica, não haverá plantas e animais que resistam aos inúmeros atentados ao redor do planeta.

“Exploram o lugar e quando veem que já está todo prejudicado, eles fecham”, denunciou o brasileiro Jhonatta, que endossou que pela quantidade de taxas que os turistas pagam, não vê esse dinheiro sendo reaplicado. “Acho que pelo dinheiro arrecadado, daria pra fazer muita coisa, mas não vejo o governo desenvolvendo projetos. A grande mudança que vem acontecendo é por parte dos próprios empresários e ONGs”.

Ele cita como exemplo o projeto da Ocean Quest para recuperar os corais destruídos por anos de exploração, que conta com 90% de ajuda voluntária. “Vi também que em Koh Phi Phi, todos os comércios começaram a adotar sacolas e canudos recicláveis.”

Voluntários da Ocean Quest analisam e tentam recuperar os recifes de corais da Tailândia – Foto: divulgação/Ocean Quest Thailand
Voluntárias recolhem lixo das praias. Um dos principais problemas do turismo de massa. Foto: divulgação/Trash Hero Thailand

O Trash Hero é outro projeto bacana e igualmente formado por voluntários, do qual Jhonatta se inclui, que buscam conter os danos ambientais. Os números são altos: são 60.612 voluntários, 2.427 limpezas e mais de 467 mil quilos de lixo recolhido ao redor do país.

Mesmo que as autoridades ainda não tenham freado a superlotação e assumido a maior parte da responsabilidade para si, foram implementados alguns procedimentos recentes que ao menos ajudam a manter as praias limpas. A proibição do cigarro entrou em vigor em todas as praias.

O governo afirma que outras medidas em prol do meio ambiente foram aplicadas nos últimos anos, abarcando todos os setores da indústria turística. Em outubro de 2018, uma campanha com foco na redução de lixo, redução do uso de sacolas plásticas descartáveis e no aumento dos índices de reciclagem de materiais foi implementada em Koh Samui.

Turismo de massa colocou Bangkok no topo das cidades mais visitadas do mundo em 2018 – Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

Também foi feito um acordo com stakeholders para ampliar a consciência ambiental e ações de empresários em várias ilhas, incluindo o corte de desperdício proveniente do turismo pela metade, compromisso assumido até 2020.

Todas essas medidas ainda são poucas e um tanto atrasadas mediante a atual situação de fluxo no país. Seria fundamental que o marketing fosse direcionado a cidades e ilhas pouco conhecidas, dispersando os visitantes e deixando a economia mais equilibrada entre as cidades.

Em 2019, parece que o ministro de finanças tailandês, resolveu dar ouvidos ao chamado turismo doméstico. Em seu projeto, já enviado para aprovação, seriam direcionados 15 milhões de baht para uma campanha que literalmente paga as pessoas para viajar.

No caso, qualquer pessoa com cidadania tailandesa e mais de 18 anos poderá se inscrever no programa do governo, no qual receberá 1.500 bahts (US$ 47) por meio de um sistema de pagamento eletrônico para gastar nas lojas participantes ao redor de 55 províncias. A expectativa do ministro é que 10 milhões de cidadãos viajem ao redor do país, impactando especialmente a economia de zonas rurais, que está atualmente sofrendo com a seca.

Ainda dentro dos termos ambientais, é de extrema importância aumentar a fiscalização sobre o impacto imobiliário, com a crescente construção de resorts, e desencorajar atividades que utilizem a vida animal para entretenimento ou lazer, conforme a reportagem citou mais acima.

Mirando em medidas sustentáveis, a Secretaria de Turismo da Tailândia criou o 7Greens, um portal dedicado apenas a ações ecofriendly no país. É possível encontrar várias notícias relacionadas ao desenvolvimento ambiental e informações sobre como fazer uma viagem mais verde, mais amiga da natureza, com opções de roteiros, acomodações, atrações, entre outros.

A iniciativa mira no turismo responsável, pautando experiências mais ecofriendly por parte dos viajantes, na tentativa de manter um ciclo saudável, um equilíbrio entre humanos e natureza.

Foto: divulgação/Tourism Authority of Thailand

Santorini e Mykonos: de paraíso a pesadelo com o turismo em massa

4 comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.