A promessa de beleza e fantasia sem fim tem sido uma especialidade italiana — no entanto, sejamos francos, isso não tem só a ver com turismo. Basta pensar nas ruínas que compõem parte considerável da paisagem na península (que outra capital do mundo tem memórias de seu passado longínquo tão evidente quanto Roma? O Coliseu, cercado por ruas, tornou-se o centro de uma rotatória, por exemplo); nas lembranças do Renascimento brotando em cada ruela de Siena; na pitoresca formação metropolitana de Veneza, cidade sem par em todo mundo; ou na herança deixada pelos mouros invasores de Palermo, que alteraram, para sempre, vida e arquitetura de boa parte da Sicília.

Não faltam, de norte a sul, destinos que fazem qualquer viajante suspirar, e num país de dimensões diminutas, que recebe hordas de turistas em todas as épocas do ano, é difícil descobrir (ou redescobrir) uma nova joia italiana.

A Puglia, em especial a província de Salento, ficou, de alguma forma, relegada a um segundo plano por um tempo considerável. O salto estiloso da bota italiana compõe uma região com planícies banhadas por um forte (e às vezes bastante quente no verão) vento, campos de oliveiras e praias cheias de rochas, com mar quase sempre calmo, em mil tons de azul e verde. Foi esse cenário que os demais europeus (e, consequentemente, os turistas do restante do mundo) passaram a desejar, principalmente durante os meses de calor.

Se antes as praias de Otranto e as bucólicas ruas de Alberobello se curvavam ao visitante oriundo de outras regiões italianas, agora o que mais se vê por lá são franceses, alemães e ingleses, todos atraídos pela novidade que para eles a região representa e por seus preços muito acessíveis.

Banhistas esticam-se nas proximidades do porto de Otranto

Junto como boom turístico, e prevendo um incremento ainda maior no número de visitantes, o empresário Flavio Briatore uniu-se a outros investidores para abrir um resort à beira-mar de alto luxo em Otranto, o Twiga. A enorme obra tão próxima da costa provocou uma grita entre os moradores e os hotéis de menor porte, que se opuseram, desde o inicio, à construção. Depois de meses de disputa, e de uma denúncia de irregularidade na edificação feito pelo procurador do município, Briatore decidiu se afastar do projeto — o beach club segue embargado, sem data para abrir; o desfecho para o caso deve acontecer nos próximos meses. Foi a preservação da balneabilidade e da natureza locais que movimentou os moradores. A beleza daquele trecho de mar Adriático não seria, portanto, perturbada.

Na cidade, que não passa dos 6 mil habitantes, muita gente se estende nas imediações do porto para tomar sol longe da areia — é ali que fica a Torre Malta, que descortina uma bonita vista dos barcos e do centrinho, que também fica a passos dali. Um passeio pelo centro, aliás, lotado de construções branquinhas, lojas com cacarecos mil e restaurantes, é obrigatório em Otranto. Entre o porto e as ruelas fica o Castello Aragonese, fortaleza preservada desde o fim do século 15. No verão, concertos acontecem no local, a preços bastante acessíveis.

Vista do porto de Otranto

Há uma oferta apenas razoável de hotéis no centro (como em toda Otranto; as reservas devem ser feitas com muita antecedência), mas o mais pitoresco deles fica um pouquinho mais afastado — mas apenas a 5 minutos a pé da praia mais próxima —, em cima da estação de trem. A Casa Su Rotaie é um Bed & Breakfast com preços acessíveis e uma localização privilegiada para quem chega ou vai embora da cidade: além dos trens, os ônibus intermunicipais passam por sua porta diariamente. Não é preciso preocupar-se com o barulho, pois os trens não circulam durante a noite e partem da cidade em poucos horários durante o dia. A saber: se não estiver de carro, a melhor forma de chegar à cidade é de ônibus. No alto verão, um quarto para casal sai por R$ 405, com café da manhã, uma pechincha para a cidade.

Vista da Casa Su Rotaie, hospedagem pitoresca de Otranto

Da porta da hospedaria parte o ônibus 101, que para em Roca Vecchia, vilarejo próximo dali (é importante conferir aqui os horários para se programar antes) que guarda uma das joias mais procuradas da Puglia, a Grotta della Poesia. A formação rochosa deu origem a uma piscina de água salgada bem ao lado do mar e que se afunda na pedra. Os mais destemidos saltam da borda, muitos metros acima do nível da gruta, diretamente na água, mas também é possível dar um mergulho com menos emoção, usando a escada.

A Grotta della Poesia é um dos pontos mais disputados da Puglia

Ao norte dali fica a maior cidade da província de Salento, Lecce. Se a cor que predomina nas construções de Otranto é o branco, o amarelo se destaca no centro histórico em Lecce: nos dias ensolarados, quando o sol toca suas construções barrocas, o local assume uma face única, muito quente e festiva.

Anfiteatro romano em Lecce

Dentro das fronteiras do que um dia foi o Império, mede-se a importância que uma cidade tinha para os romanos pelo fato de haver ou não um anfiteatro no local. O de Lecce data do século 2 d.C. (a cidade tem mais de 2.000 anos) e até hoje o local recebe shows e festivais – o de jazz, no verão, já é tradicional. O verão, aliás, é a época ideal para provar “refresco cafeínado” local, o caffè in ghiaccio: em um copo com gelo, o barista joga uma xícara quente de expresso, que gela quase imediatamente – uma versão mais gordinha vem com um dedinho de leite de amêndoas. Toma-se esse café até nas praias da província.

Outra cidade que tem seu café assinatura é Polignano A Mare, mais ao norte, já na província de Bari. Por lá, o caffè speciale leva café tirado na hora, açúcar, casca de limão, chantilly e amaretto. Há alguma controvérsia sobre quem é o autor da invenção, se seu Mario, da sorveteria Il Super Mago del Gelo Mario Campanella, ou signore Vito, da concorrente Bella Blu – ambos os locais servem, além dos cafés, sorvetes premiados na Itália; vale, sem dúvida, passar pelas duas casas, que ficam a apenas 130 metros de distância uma da outra. A cidade trouxe ao Brasil, em especial a São Paulo, muitas famílias de imigrantes, por isso, é difícil não encontrar um polignanês que não comente que teve um tio-avô que partiu para tentar a vida além-mar. A Lama Monachile é o trecho de praia mais famoso de Polignano: é dali, à beira-mar, que se vê as construções de pedra que avançam sobre o mar. O centro histórico, envolvido  pela muralha da cidade antiga, é gracioso e é possível percorrê-lo tranquilamente em meia hora.

Da cidade é fácil alcançar Alberobello, vizinha e distante pouco mais de 20 km de Polignano. As casinhas enfileiradas, os Trulli, com cúpulas em formato de cone são, talvez, o cenário mais conhecido de toda a Puglia.

Partiu Puglia? Você pode pegar um trem partindo de Roma até Lecce, o trem passa por todo o litoral da Puglia e dura em torno de 6h.

Texto e fotos por Lívia Scatena

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