O que atrai uma pessoa na hora de escolher o destino de viagem? Muitas vezes, a opção é feita pela beleza e cultura do local. Sendo assim, é difícil conhecer gente que viaja para ver de perto as mazelas sociais e econômicas de outro país, a não ser que seja por trabalhos voluntários. Assim, eis que surge uma polêmica no Brasil: você faria passeios turísticos em favelas?
Pode ser que a curiosidade seja grande, assim como o medo, o receio e tantos outros sentimentos ruins até por conta do que se ouve em noticiários. Em países de terceiro mundo, as comunidades mais pobres são sinônimo de miséria e desigualdade social ao mesmo tempo que se transformam em atração turística.
No final das contas, ninguém sabe ao certo se isso afinal é bom ou ruim para as pessoas que vivem ali dentro. A questão divide opiniões baseadas nas mais diversas experiências. Na Cidade do Cabo, por exemplo, existem as townships, áreas urbanas subdesenvolvidas que sofreram nas mãos do Apartheid, limitando os negros e indianos operários àquele espaço, distante dos brancos.
O turismo lá dentro chega a atrair mais de 300.000 pessoas por ano e costuma ser feito da maneira mais desumana possível. Definitivamente, não é o que chamamos de turismo de experiência. É uma espécie de safári humano, onde as pessoas com maior poder aquisitivo passam de carro por dentro das townships, sendo guiadas por agentes.
Ou seja, com algumas poucas exceções, não há nenhum contato real com a comunidade que ali vive e a troca de experiências é zero. Acaba gerando pena por parte de quem vai e, talvez, revolta por parte de quem fica. Quem lucra com isso são as agências de turismo, o que parece ser um tanto antiético, aproveitador e exploratório. Mas, a conclusão fica a critério de quem vai.
Em destinos como Bangladesh, existe o que chamam de pro-poor tourism [PPT] e community-based tourism [CBT], programas focados em gerar empregos para as comunidades rurais. Embora os projetos do tipo sejam bem intencionados, ainda existem barreiras que impedem que boa parte da população consiga aderir e seguir em frente, como a falta de capital social e habilidades.
Enquanto isso, no Brasil, a cena muda um pouco. Na maioria dos casos, quem guia os turistas por aqui são os próprios moradores das comunidades pacificadas, o que acaba gerando renda para quem vive ali. No Rio de Janeiro, as periferias são verdadeiras cidades, então é comum que exista muito a se ver por lá.
O anfitrião sabe conduzir o passeio, aproxima os turistas da realidade e ajuda a desmistificar todas as impressões que se criam ao redor das favelas, afinal, ali também é um lugar onde se desenvolve a própria cultura, identidade, gastronomia e até mesmo formas inovadoras de estudo, construção e emprego. A criatividade é um dos grandes êxitos de quem vive com poucos recursos desde os nossos primórdios.
Exemplo disso é a favela Santa Marta, uma das mais conhecidas da capital fluminense, que já teve visitas ilustres de celebridades nacionais e internacionais. No tour com boa infraestrutura ganhou selo de excelência pelo site TripAdvisor em 2015 e foi criado pelo empreendedor Thiago Firmino, que nasceu no local.
Quem também aderiu a ideia foi Paulo Amendoim, morador e antigo ‘presidente’ da Rocinha, que escreve em seu site Favela Tour o quanto houve impacto positivo na comunidade por meio do turismo social. “Quando eu era pequeno, aqui não tinha água, tínhamos que pegar pelo poço. Não tinha luz. Cheguei a comer o que encontrava no lixo. Hoje eu tenho três faculdades e acredito que estou crescendo e evoluindo junto com a minha comunidade”.
Um dos focos do passeio é a interação com moradores. O roteiro inclui atelier de arte, mirante Portão do Céu, Batucada da Garotada, feira de domingo, churrascaria, creche da Dona Dalva, Escola Umuarama, Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha, Via Apia (centro comercial), mercado popular e até colocar um pipa para voar no céu estão entre as atividades do dia. O preço é de R$ 75 por pessoa ou R$ 65 se o grupo tiver ao menos 10 integrantes.
Ainda no Rio é possível participar de oficinas e passeios temáticos dentro das comunidades, como de graffiti com Marcos Rodrigo Neves, o Wark, na Rocinha; aulas de capoeira e maculelê com Mestre Biquinho, no Complexo do Alemão; oficinas de pipa com Carlinhos 70 no Morro da Providência ou com o Thiago da Santa Marta; ou ainda bater uma bolinha e comer um churrasco com a galera no Morro dos Prazeres.
O que não deu certo foi a implantação do Teleférico do Complexo do Alemão, que em quatro anos não conseguiu conquistar o coração dos moradores e nem dos turistas. Além disso, acabou não dando certo por questões econômicas e pelo triste fato da violência ainda ser uma constante entre forças policiais e traficantes.
Em São Paulo o que tem feito sucesso é o tour Paraisópolis das Artes, dentro da segunda maior favela da capital, com 788 m². Custando R$ 150 por pessoa (caro, como tudo em SP), é guiado por um morador da comunidade e passa pela rádio e o jornal comunitário, a escola de balé e pelas incríveis casas de artistas locais, que exibem o potencial criativo dos moradores.
A arquitetura já foi comparada até mesmo com a de Antoni Gaudí. A casa do Antenor, por exemplo, é feita de garrafas Pet; enquanto a de Estevão é feita de pedra e inúmeros objetos. O resultado é inacreditável.
Foto: Francisca Rodrigues/Divulgação
Isso tudo é o que chamamos de vivência, o que é bem saudável para conhecer coisas novas e descobrir outros cotidianos, especialmente para os gringos. Antes de tirar suas conclusões ou decidir o que fazer, pesquise bastante, leia análises sobre o assunto, conheça os passeios, quem faz, onde fica e como é. Assim podemos construir melhores práticas, colaborando com o que vai de acordo com os valores éticos e o turismo consciente.
Fotos: divulgação
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