Você já ouviu falar de Brumadinho? A cidade mineira a 60 km de Belo Horizonte pode passar despercebida, mas é ela que abriga o maior museu a céu aberto do Brasil. Neste post, vamos te guiar e mostrar o que conhecer no Instituto Inhotim, que tem um acervo enorme de arte contemporânea espalhados por jardins lindamente planejados.
A antiga fazenda que deu origem ao espaço cultural era um bairro onde viviam 150 pessoas, com base em trabalhos na mineração e na agricultura. Eis que o empresário de minérios Bernardo de Melo Paz compra a fazenda, negociando a área com as famílias que ali viviam para que cedessem suas casas.
Por um bom tempo este era seu endereço particular. Colecionador de arte que era, foi convencido pelo artista Tunga a transformar seu grande é valioso acervo moderno em um museu, a 11 anos atrás. Em apenas uma década de sua fundação, o espaço já havia triplicado de tamanho: equivale a 140 Maracanãs, conta com 650 funcionários, 100 jardineiros, 5 mil espécies no Jardim Botânico, 950 variedades de Palmeiras e 25 pavilhões de arte.
As áreas do museu são separadas por cor: laranja, amarela e rosa. Estão bem sinalizadas no mapa, que você pode retirar na recepção. Uma dica: durante o passeio, esteja bem atenta aos detalhes! São valiosos. É preciso de tempo para conhecer tudo, então reserve pelo menos dois dias para o Inhotim. Se estiver com o relógio apertado, recorra ao uso dos carrinhos de locomoção, por um adicional de R$ 30 no ingresso.
Em um tour guiado, conheci algumas galerias e obras que formam os 140 hectares de imersão artística. Vamos a alguns destaques:
Adriana Varejão
Uma das principais galerias se dedica a uma mulher: Adriana Varejão. Em um belo edifício com espelhos d’água foram colocadas obras de sua autoria, tanta na parte externa quanto na interna. O primeiro detalhe que se nota é Panacea Phantastica, um quadrado de azulejos que exibem diversas plantas alucinógenas.
Ao entrar no local, a primeira coisa que surge é uma parede de azulejos quebrada, com vísceras de poliuretano dentro de sua estrutura. A história de Linda do Rosário, como foi batizada, é bem interessante! Trata-se de uma homenagem aos dois amantes que faleceram no desabamento de um prédio no Rio de Janeiro. Olhando pra cima se vê mais azulejos, desta vez de plantas carnívoras, que fazem alusão ao termo “a carne é fraca”.
No segundo andar, a obra mais famosa: Celacanto provoca maremoto, que faz alusão aos azulejos portugueses que chegavam em Minas Gerais. Cada peça que compõe este enorme painel é estimado em alguns milhões de reais. É um dos principais pontos para fotografia no museu.
Cildo Meirelles
Com uma arte crítica e provocadora, Cildo tem também uma galeria para chamar de sua. Ali estão obras como Através, que mostra diversos tipos de muros, cercas e obstáculos (a começar pelo chão de cacos de vidro, onde podemos caminhar), dos quais temos que passar ao longo da vida para chegar num objetivo.
A mais conhecida, porém, é a sala Desvio para o vermelho. Nela foram colocados absolutamente todos os objetos e mobiliários vermelhos que Cildo colecionou entre os anos de 1967 e 1984. É também um dos lugares mais fotografados de Inhotim.
Tunga
Como dito anteriormente, Tunga colaborou grandemente com a fundação e proposta do museu. Além disso, é um grande nome na arte contemporânea, sendo o primeiro artista vivo a expor no Louvre, em Paris. No Inhotim há duas áreas dedicadas ao artista pernambucano: a Galeria Psicoativa, a Galeria True Rouge (foto), além de Deleite, obra colocada no jardim.
Em True Rouge, quem dá as caras é a instalação homônima feita com redes, madeira, vidro soprado, pérolas de vidro, tinta vermelha, esponjas do mar, bolas de sinuca, escovas limpa-garrafa, feltro e bolas de cristal. Esta obra foi criada para receber performances. A proposta é de ter atores nus interagindo com os objetos pendentes, derramando em si o líquido vermelho viscoso que há dentro de alguns recipientes, remetendo aos ciclo vitais.
Hélio Oiticica
Certamente um dos meus favoritos do museu! Hélio cria obras que dialogam com o público de maneira mais prática e acessível. A primeira que se vê, logo quando se entra na recepção de Inhotim, é o colorido Invenção da Cor, Penetrável Magic Square. Passando por dentro e por fora dela se observam cores fortes que, com mais ou menos incidência de luz solar, criam-se outros tons. O clique da foto é inevitável!
Agora se você curte experiências imersivas, não pode perder Cosmococa. Criada junto com o cineasta Neville de Almeida, a galeria propõe que os visitantes sintam todos os estágios de uso de drogas alucinógenas, no caso, a cocaína. São cinco salas multisensoriais com cinco estágios, que vão da euforia à badtrip. Tem colchões para o visitante relaxar, outros para pular, desníveis no chão, projeções pelas paredes e músicas de Jimi Hendrix rolando solta. É incrível!
Cláudia Andujar
Se você gosta de fotografia, não pode perder a galeria de Cláudia Andujar, que tem não só uma trabalho maravilhoso, como uma história de vida inspiradora. Inaugurado em 2015, o espaço – que é o segundo maior do parque – dedicado à fotojornalista narra boa parte de sua trajetória junto com os índios da tribo Yanomami, com quem conviveu de 1970 a 2010 na Amazônia.
São mais de 400 imagens dedicadas a mostrar sua cultura, tradições, legados e mudanças ao longo dos anos, especialmente a partir do contato com a civilização moderna. Não apenas documentando o estilo de vida indígena, Cláudia também lutou com e por eles, em ações ligadas a demarcação de terra, por exemplo. O pavilhão é bem bonito. A coleção é muito íntima e sensível, agora eternizada no Inhotim.
Rivane Neuenschwander
A mineira de sobrenome difícil ocupa a única casinha antiga que sobrou da região onde o Inhotim foi criado. O imóvel é de 1874. Lá dentro foi colocada a instalação cinética Continente/Nuvem, na qual inúmeras bolinhas de isopor flutuam no iluminado teto de acrílico, e são empurradas por pequenos ventiladores, simulando as nuvens. O público vai observando as formas abstratas que resultam deste processo.
Olafur Eliasson
Eis aqui a obra do Inhotim mais fotografada e divulgada nas redes sociais. Em Viewing Machine, o dinamarquês explora o mecanismo de um caleidoscópio através de um enorme tubo hexagonal de aço inoxidável e metal. Em suas duas cavidades, onde deve ficar uma pessoa de cada lado, se formam visões distintas dos participantes. Uma porção de reflexos cria uma sequência de imagens psicodélicas de si mesmo e do outro. É uma experiência lúdica. Fora isso, aproveite para observar o lugar, com vista para os morros mineiros e a vegetação.
Doug Aitken
Em uma instalação bem interessante, Doug Aitken resgata, literalmente, a nossa conexão com a terra. Sonic Pavillion é um pavilhão sônico, no alto de algumas pedras trazidas do município de Mariana. Em uma sala de vidro arredondada, há uma perfuração no meio, tanto no teto – onde entra luz solar – quanto no chão, de onde vem o som da terra. Um poço tubular de 202 metros de profundidade ecoa em tempo real os barulhos naturais que emanam lá de baixo.
Chris Burden
Essa obra chama atenção por sua magnitude e execução. O norte americano Chris Burden fez uma verdadeira performance para criá-la, mobilizando mais de 100 pessoas, oito caminhões de concreto e um guincho. No caso, as 71 vigas de aço foram lançadas a 45 metros de altura durante 12 horas, diretamente no chão de cimento fresco, para que fincassem da maneira que caíssem. A escultura foi colocada no alto de um morro de Inhotim, dialogando com seu entorno natural. Dá para circular no meio das vigas e tirar fotos.
Miguel Rio Branco
O trabalho do Miguel é um tanto polêmico e por vezes indigesto, mas não menos interessante. Em sua galeria está uma extensa coleção de fotografias, polípticos, painéis, filme, instalações audiovisuais e multimídia. Uma das principais é Maciel, que reúne cliques feitos no Pelourinho, em Salvador, no ano de 1979. A região tinha muita miséria, droga e exploração sexual. São imagens que chocam e nos fazem questionar tanto tais condições de vida como o próprio trabalho do artista, que ali era um mero espectador.
Luiz Zerbini
As pinturas do artistas Luiz Zerbini ocupam a Galeria Praça, junto a outros artistas. Abusando de cores e perspectivas, fixa nosso olhar em suas telas. Em algumas delas podemos ver formas geométricas hipnóticas, enquanto em outras há o diálogo entre natureza e ação humana. O quadro Pintura Velha (foto) é parte da exposição Amor Lugar Comum, com trabalhos feitos por ele na última década.
Zhang Huan
Próximo a uma enorme e centenária árvore Tamboril está a obra do chinês Zhang Huan, um dos maiores artistas do país. Em Gui Tuo Bei vemos uma cabeça de pessoa em corpo de tartaruga. Na cultura chinesa, é comum que monolíticos dessa forma sejam colocados em locais sagrados. O animal é colocado para representar longevidade, solidez e resistência. Ampliando seu significado, Huan coloca sua própria face na obra para expressar o trabalho árduo e se projetar para além de seus significados.
Onde comer
Além de uma lojinha, dentro do museu/jardim há três espaços de alimentação principais, com preços variados, e outros quiosques administrados por terceiros. Vou resumir um pouquinho de cada um deles aqui:
Restaurante Tamboril e Bar do Ganso
Este é o restaurante mais caro do museu. Com foco na culinária internacional, tem pratos a la carte e buffet livre por R$ 79,00 – incluindo a sobremesa. Se não for comer por lá, vale a pena espiar o lugar, que é bem cool. A Chef Dailde Marinho (foto) está no Inhotim há 15 anos e comanda os pontos de alimentação do local. Conversando comigo, indicou o prato carré de cordeiro com tutu e couve.
Restaurante Oiticica
Pertinho da obra colorida Magic Square, o restaurante tem buffet de saladas, massas e sobremesas por um preço bem justo: R$ 43,00/kg durante a semana e R$ 49,00/kg nos finas de semana e feriados. Almocei por lá um dia e paguei em torno de R$ 15 pelo prato abaixo. O local é bem bonito, de frente para o lago.
Café das Flores
Essa cafeteria charmosinha fica ao lado da loja e bem perto da recepção. É um dos lugares mais agradáveis para beliscar ou comer lanches, que são bem servidos! Pedi um pão de queijo recheado com pernil, um suco de laranja e um café. Também provei o bolinho de cará com queijo. Estava tudo gostoso. Não me lembro quanto deu a conta toda, mas acho que ficou entre R$ 30 e R$ 40.
O que achei da experiência
Falar sobre Inhotim me causa um misto de sensações boas e outras não tão boas assim. É comum ouvir o comentário de que, ao adentrar no instituto e jardim botânico, parecemos estar em outro país. Aliás, vale ressaltar que o paisagismo belíssimo é assinado por Pedro Nehring e Luiz Carlos Orsini – e não por Burle Marx, como muita gente propagou por aí.
O planejamento, a mega infraestrutura, a organização, a sofisticação e os cuidados de quem mantém o lugar impecável realmente chegam a dar essa sensação. Isso acabou sendo parte da cultura que permeia as instalações, do status criado dentro do mundo de colecionadores, que de certa forma afasta o público menos abastado. A realidade das pessoas do entorno não tem nada a ver com essa, entende?
O ingresso, que custa R$ 40,00 para adultos, ajuda a custear a manutenção. Às quartas-feiras a entrada é livre. Mas, se a gente for pensar na ideia de espaço cultural democrático, especialmente pelas condições do povo de Brumadinho, é preciso que o ingresso a preço popular esteja a seu alcance aos finais de semana, porque dificilmente as pessoas conseguem acessá-lo numa quarta a tarde, em horário comercial.
Não vou questionar a qualidade dos trabalhos artísticos e nem a importância do museu, porque é realmente um dos lugares mais relevantes do país nesse sentido. Porém, ressalto a importância de dialogar com o entorno, de criar não apenas empregos mas relações sólidas com a população, para que o município todo cresça e colha esses frutos. Deselitizar a cultura é fundamental para que se avance, afinal, embora não pareça, ainda estamos no Brasil quando pisamos no Inhotim. E não deveria caber ali mais um retrato da desigualdade.
Como chegar
Saindo de Belo Horizonte, é preciso pegar a BR-381 rumo a Brumadinho. Sugiro que fique alguns dias para explorar a cidade também. Se for de ônibus, pegue o ônibus da Belvitur ou Saritur na saída da Rodoviária de BH – Plataforma F2. Custa R$ 36,20 para ir e R$ 32,50 para voltar. Há ainda um transfer que sai do Hotel Holiday Inn em BH, por R$ 66,00. Consulte os dias e horários no site do Inhotim.
Quanto custa:
Terça, quinta, sexta, sábado, domingo e feriado: R$ 44,00 (inteira); R$ 22,00 (meia-entrada); crianças de até 5 anos não pagam. Quarta-feira (exceto feriado): entrada gratuita.
Fechado às segundas-feiras.
Todas as fotos por Brunella Nunes/QCV
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