Aos 43 anos, Fabia Fuzeti é jornalista, fotógrafa e produtora de vídeos. Viajante convicta desde 1996, ela ganhou há sete anos uma companheira de viagem, trabalho e de vida: Gabi Torrezani, 28.
Gabi é formada em audiovisual pela USP, doula e atualmente divide-se entre as viagens e os estudos para se tornar parteira profissional. O casal criou o blog Estrangeira, onde compartilham dicas de viagens LGBTs pelo Brasil e pelo mundo.
Essa é a quinta entrevista da série “O mundo é delas“, em que nos propomos a contar histórias de mulheres incríveis que estão redefinindo o conceito de viagens de um jeito muito especial.
Aproveita para conferir também as outras entrevistas do projeto:
- Minimalismo e viagens, com Caroline Abreu
- Turismo sustentável, com a Ana Duék
- Festivais de música pelo mundo, com Gracielle Fonseca e Priscila Brito
- Viajar sozinha, com Mariana Bueno
Turismo LGBT, por Gabi e Fabia
Quanto Custa Viajar – Vocês já viajavam antes de se conhecer? Notaram alguma mudança na maneira como as pessoas tratam vocês quando estão juntas?
Fabia – Eu comecei a viajar com 20 anos (hoje tenho 43), e depois da primeira viagem nunca mais parei.
Gabi – Eu era muito jovem. Conheci a Fabia com 21 anos, hehehehe! Então tinha viajado muito pouco antes, mais viagens com a família mesmo. No geral não sentimos diferença quando estamos sozinhas ou juntas. De vez em quando acontece de viajarmos sem a outra. Até porque, na visão das pessoas, duas mulheres juntas ainda estão sozinhas. Se não há a figura do homem para proteger, estamos sozinhas…
QCV – O que muda no momento de planejar uma viagem sendo um casal de mulheres?
Fabia – Acho que muda mais pelo fato de sermos lésbicas e termos que pesquisar sobre homofobia e leis nos destinos. Por sermos mulheres acho que não muda tanto, pois não temos medo de viajar sozinhas. Vejo muitas mulheres com receio de viajar sozinhas e isso eu nunca tive, nem na minha primeira viagem. Com 20 anos sai para um mochilão de 3 meses e meio pela Europa, passei o ano novo sozinha em Paris e achava muito legal como fazia amigos fácil por todo canto.
Só tem alguns detalhes que sempre considerei. Hospedagem em albergue sempre em quarto feminino. Nada de quarto misto. E tomar cuidado com as pessoas. Eu sempre fui do tipo que confia em todo mundo e já tive problemas. Cai num golpe na China inclusive porque, querendo fazer amigos, fui para um karaokê com uma desconhecida. Ainda bem que só levaram meu dinheiro, não meus rins, hahaha.
QCV – Já deixaram de viajar para algum destino por medo da homofobia ou por leis discriminatórias?
Fabia – Sim! O Marrocos está aqui do lado da Espanha, é um destino muito, mas muito barato, mas desde a experiência no Egito não tivemos ânimo para voltar para outro país semelhante. Pela homofobia e pelo machismo. Não consideramos países do Oriente Médio pela mesma razão. Não queremos gastar nosso dinheiro e nosso tempo em lugares que nos discriminam. E nunca estivemos no armário. Não queremos ter que entrar no armário justamente na hora de viajar, que é a nossa coisa favorita.
Gabi – Temos consciência de que às vezes nossa presença e visibilidade pode ser importante nesses países, para que eles vejam que existimos e que faz parte da vida. Pode ajudar com a aceitação a longo prazo. Especialmente para os LGBTs que vivem nesses lugares e não tem referência. Nos questionamos muito sobre ir ou não para esses destinos. Mas, por enquanto, estamos priorizando lugares onde somos bem-vindas.
QCV – E como o Estrangeira surgiu na vida de vocês?
Fabia – Eu viajava, tirava um monte de fotos e vídeos e meus amigos reclamavam que nunca viam nada. Depois que chegou o Facebook e eu passei a postar e a contar algumas histórias ali, as pessoas começaram a comentar que gostariam de ouvir mais histórias e saber mais das viagens. Então a ideia de ter um blog e dividir as histórias e imagens com todo mundo foi se instalando na minha mente.
Quando eu e Gabi começamos a namorar, fizemos nossa primeira viagem juntas para o Egito e Londres. E quando voltamos para casa resolvemos começar o blog. Nossos primeiros posts foram sobre essa viagem. No começo, a ideia era só contar sobre as viagens e depois fomos profissionalizando. Atualmente, o blog é nosso trabalho em período integral.
QCV – Ao longo destes anos na estrada, viveram alguma situação desagradável ou se sentiram inseguras devido ao preconceito? Como se viraram nesse caso?
Fabia – Nunca aconteceu nada que nos fizesse sentir medo, mas também porque somos cautelosas. Normalmente quando chegamos num lugar que não sabemos ao certo como é, esperamos um tempo reconhecendo o ambiente, para ver se é seguro ou não demonstrar afeto em público.
No Egito, país onde é crime ser LGBT, reservamos camas de solteiro ao invés de camas de casal. Lá aconteceu de um guia nosso perguntar se éramos um casal. Ele parecia legal, inclusive saímos com ele para um bar na última noite, mas tivemos medo de dizer que éramos um casal. Achamos melhor ficar quietas. Depois que fomos embora mandamos uma mensagem para ele dizendo: sim, somos um casal.
Gabi – Uma coisa que acontece muito no Brasil é as pessoas perguntarem se somos mãe e filha. Sempre fica um clima estranho para todo mundo quando respondemos: não, somos casadas. Quando morávamos no Brasil isso acontecia praticamente toda semana. Aí mudamos para Espanha e foi ótimo não ter que lidar mais com essa pergunta. E aí quando fomos de férias pro Brasil, logo que chegamos, lá veio a pergunta de novo!
QCV – Em relação ao Brasil, como vocês veem o turismo LGBT no país? Alguma sugestão de como destinos e empresas podem se destacar e acolher melhor estes viajantes?
Gabi – O Brasil é um país complicado. Ao mesmo tempo em que temos a maior Parada do Orgulho do mundo, a de São Paulo, somos o país que mais mata e agride LGBTs. Além disso, a realidade é muito diferente em diversas regiões do país. Uma coisa é a cidade de São Paulo, outra é uma cidade pequena no interior…
Tem estados muito mais avançados que outros também. O Brasil tem potencial, temos lugares incríveis para serem visitados, temos muitas opções de vida noturna LGBT, especialmente em São Paulo e no Rio, mas temos que trabalhar muito a questão da violência. Nosso governo atual não tem contribuído muito, ao contrário…
As empresas precisam começar trabalhando de dentro para fora. Contratar LGBTs, fazer campanhas internas. Se importar de verdade com o coletivo e não apenas fazer ações buscando o pink money (dinheiro movimentado pelos LGBTs).
É preciso ter LGBT’s na equipe para desenvolver produtos e atividades voltados para esse público. Se não for assim, não dá certo. É muito legal por exemplo que existam guias de turismo LGBTs nas cidades para atender clientes que buscam informações específicas sobre o coletivo. Os hotéis, restaurantes e estabelecimentos precisam treinar seus funcionários, porque sempre pode aparecer um hóspede que se ofende ao ver um casal homo afetivo demonstrando afeto e os funcionários precisam estar preparados.
O site da IGLTA (Associação Internacional de Turismo Gay e Lésbico) é um ótimo lugar para buscar empresas que estão preocupadas de verdade, treinam funcionários e têm representividade no quadro de funcionários.
E nosso blog temos uma seção LGBT comentando os lugares que visitamos, guias locais com os bares, instituições e livrarias LGBT.
QCV – Para finalizar, queria que vocês contassem quais são os destinos que mais surpreenderam cada uma positivamente em termos de opções LGBT e o porquê?
Fabia – Eu acabei de voltar de uma viagem para o Reino Unido e fiquei muito surpresa com Birmingham. Todo mundo espera encontrar muita coisa gay e lésbica em Londres, né?
Mas Birmingham foi incrível. Não só pela quantidade de bares, mas especialmente pela animação das pessoas. E lá é muito legal porque é tudo muito mais misturado, LGBT’s todos juntos. Aliás, no Reino Unido eles nem usam mais o termo LGBT, eles usam queer que engloba todxs. Outra coisa maravilhosa é que tem muita gente mais velha nas baladas e bares. Na casa dos 60 e 70 anos, coisa que não vemos no Brasil.
Gabi – Outro lugar que nos surpreendeu foi Belém do Pará. Não esperávamos nada, chegamos naquele esquema avaliando o terreno e logo começamos a ver muitos casais homo afetivos pelas ruas, até homens de batom. Ficamos surpresas e felizes!
Uma coisa que nos surpreendeu em Paris foi a quantidade de bares lésbicos. A maioria dos lugares focam mais no público gay masculino. Muitas cidades nem tem bares lésbicos, mas Paris tem vários. Nos sentimos bem representadas. 🙂
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