Às margens do rio Nilo, a civilização egípcia moldou muita coisa que atravessou todos os séculos seguintes. Cinco mil anos depois, segue fascinante a dialogando com a contemporaneidade. A exposição do Egito Antigo em SP revela as variadas camadas da história, com exibição de múmia e artigos raros que encantam o público brasileiro.
Em cartaz a partir de 19 de fevereiro no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, a mostra “Egito Antigo: do cotidiano à eternidade” já bateu recorde nacional de público no Rio de Janeiro, onde atraiu quase 1,5 milhão pessoas. Segundo o curador e produtor Pieter Tjabbes, que assina a curadoria junto a Paolo Marini, ter um viés educativo e acessível a diversos tipos de público resultou no sucesso.
“O público não é uniforme quando se trata de temas como o Egito. Na nossa experiência no Rio, havia pessoas que nunca tinham entrado em um museu e outras que, além de vir de regiões periféricas, mais distantes, ficaram quatro horas na fila”, apontou o historiador. “Todas elas saíram felizes e isso não tem preço. Em São Paulo queremos viver a mesma coisa”.
Além de ser gratuita, um fato importante é ter, em solo brasileiro, 140 peças originais da época, como esculturas, pinturas, objetos litúrgicos, sarcófagos e uma múmia humana da 25ª dinastia. O acervo veio diretamente do Museu Egípcio de Turim, um dos mais importantes do mundo, com o intuito de ampliar o entendimento da cultura egípcia, que manteve parcialmente os mesmos modelos religiosos, políticos, artísticos e literários por três milênios.
O que tem na exposição do Egito Antigo em SP
Dividida em três seções (vida cotidiana, religião e eternidade), a mostra realmente cumpre o papel de aproximar o público de itens que, talvez, jamais serão vistos novamente. Entre as vitrines se exibe um enorme Livro dos Mortos em papiro, objetos litúrgicos e pessoais, sarcófagos, múmias de animais e magníficas pedras talhadas.
E não faltam itens que permitam interatividade do público. Claro que é impossível tocar em peças originais, mas um pouco de imaginação e tecnologia permitem selfies e até que o visitante entre numa grande pirâmide cenográfica para se transformar instântaneamente em sarcófago.
Ao caminhar pelos seis andares do CCBB, os aprendizados são constantes e trazem certa nostalgia. “Meu avô não levava jeito nenhum para brincar com crianças. Mas pegava livros sobre os impérios grego, romano e egípcio para me entreter e ensinar”, disse Pieter ao comentar um capítulo pessoal, mas que pode ser identificado por muita gente.
Os hábitos da cultura egípcia se confundem como culto à morte, mas na verdade é o contrário. Sempre houve apreciação ao dia a dia, que era inclusive retratado nas artes, em pinturas ou hieróglifos esculpidos em pedras. O curador que nos acompanhava explica:
“Tudo o que era bom no cotidiano precisava ir junto para o além. Todas as coisas que estão nessa sala eram enterradas com as pessoas. Comida e bebida era uma preocupação geral, especialmente o vinho e o azeite, além de pinturas que retratavam o que comer após a morte”.
A questão imagética e as simbologias são tão fortes nessa cultura, que funciona basicamente por projeção para o além. Explico: quando alguém importante morria, seus principais pertences, do perfume ao pente usado, seriam enterrados juntos.
Mas isso não se limitava às posses, ao o que era palpável. Os egípcios também carregavam consigo toda a simbologia necessária para seguirem suas vidas após a morte. Por exemplo, se o faraó tinha 365 empregados, criava pequenas estatuetas que os representassem para que não faltassem “do outro lado”. Tudo o que ia para a tumba magicamente seria projetado no além.
Desde os primórdios, roubar tumba era uma maneira de conquistar bens e itens caros, como perfume, vinho e azeite. O valor de itens enterrados certamente foi triplicando ao longo do tempo.
O processo de mumificação demorava de 60 a 70 dias. Naquele tempo, os menos abastados não tinham condição de ter um templo ou uma tumba para chamar de sua, então foram criados os caixões personalizados – os sarcófagos – para se tornarem uma versão menor das tumbas, digamos assim.
Além de serem talhados com traços que remetessem à pessoa, como forma de eternizá-la, eram carregados de simbologias e representações do que ela foi antes de chegar ao além. “Eles sempre elaboravam como ficariam bem na vida eterna. Se a múmia não desse certo, então ao menos o caixão iria representá-la”, pontua Pieter.
A cultura egípcia teve grande influência na moda, no design, na arquitetura e em cultos europeus, como a maçonaria e a Rosa Cruz. A partir do século 19, quando virou mania na Europa, ganhou até um termo novo: a egiptomania.
A partir do ano 1.600 d.C surgiu uma prática um tanto macabra. Acreditava-se que ingerir pedaços de múmia traria algum tipo de poder ou cura. Resultado: sarcófagos começaram a ser saqueados na Idade Média, fazendo com que muitas delas desaparecessem em poções.
Em acervos ao redor do mundo há vestígios reais de potes de boticas, as antigas farmácias, com pó de múmia dentro. Eram consumidos de forma oral ou passados na pele.
Em termos de religião, também fica claro na mostra como as crenças ocidentais se apropriaram fortemente da cultura egípcia, que era politeísta. A espiritualidade era importantíssima na época e permeava todas as áreas da vida, seguindo a premissa de que “quanto mais você dá às forças superiores, mais você recebe”.
Havia muitas divindades e cada uma delas tinha uma representação animal, então era comum que gatos — representantes da deusa Basset — fossem mumificados como forma de presentear algum deus no além, algo semelhante às oferendas.
E como as oportunidades de negócios sempre permearam as civilizações dentro da lei da oferta e da procura, os sacerdotes passaram a vender os felinos mumificados, provavelmente sem esperar que eles morressem de velhice.
No meio do caminho, o público se depara com uma estátua da deusa Sekhmet, que tem corpo de mulher e cabeça de leoa. Com fundo dourado e reluzente, virou point para fotografias. Mas a cor se justifica por representar a pele dos deuses. Sua imagem também já foi coberta de ouro em representação ao sol, ao fogo e seus poderes destrutivos.
A divindade tem uma história bem peculiar. Num dia de fúria, Rá — o Deus Sol — convocou-a para punir a humanidade, resultando numa grande carnificina. Sem o desejo de exterminar tudo e todos, precisava colocar um basta no massacre que criou.
Teve então uma brilhante ideia: ordenou que preparassem uma bebida a base de cerveja, vermelha como sangue, para espalhar nos campos onde Sekhmet prosseguiria com a matança. Ao ver o líquido esparramado, a deusa não pensou duas vezes, bebeu uma parte achando que era sangue e embriagou-se. Assim, a base de um belo porre regado a muita cerveja, a humanidade foi salva.
Hoje, talvez as mulheres estejam num momento à la Sekhmet, a ponto de entrarem em fúria contra a humanidade, que desde sempre as coloca como objeto de admiração. Pieter explica que as servas tinham vestimentas sensuais, com transparência ou seios à mostra.
As egípcias também tinha dois deveres na vida (e provavelmente na morte): servir ao marido e se manter eternamente jovem. Na representação de sua imagem, estão sempre esbeltas. As lutas de gênero seguem as mesmas, com adição de outras causas e camadas mais profundas.
A exposição segue, por fim, com mais um ponto alto: as gravuras que compõem o livro de Napoleão Bonaparte, imperador que orquestrou uma das mais valiosas expedições ao Egito, com acervo abrigado no Museu do Louvre, em Paris.
As imagens carregadas de detalhes revelam como era a civilização, especialmente em termos arquitetônicos, visto que vários lugares passaram por guerras, terremotos e vandalismo, já que até mesmo os faraós desmanchavam um templo para erguer outro. Uma tela touchscreen permite que o público folheie a obra original.
A curiosidade pela antiga civilização é incessante. Desde os tempos da escola, passando por filmes e documentários, não há quem não encontre algo surpreendente em relação ao povo do Egito. É assim que a exposição vai envolvendo os visitantes, reunindo objetos que comprovam os paralelos entre a sociedade do passado, do presente e do além.
No final das contas, existe a tal vida após a morte? Para os egípcios, a morte pode ser uma mera invenção ou, quem sabe, só uma extensão do sentido de viver. Ao se perpetuarem no tempo, realmente conquistaram a tão sonhada vida eterna, com um magnetismo único que seduz todas as gerações.
Vai lá!
Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo
Rua Álvares Penteado, 112 — Centro, São Paulo
(11) 3113–3651 | quarta a segunda, das 9h às 21 horas
Entrada gratuita
Loja Estacionamento conveniado: Rua da Consolação, 228. Traslado gratuito até o CCBB (aprox. 10 min), das 14h às 23h. No trajeto de volta, a van tem parada na estação República do Metrô.
🦽 Acesso e facilidades para pessoas com deficiência | ☕ Cafeteria e Restaurante | 🚇 perto do metrô
Reserve a data:
- CCBB Distrito Federal: 02/06/2020 a 30/08/2020
- CCBB Belo Horizonte: 16/09/2020 a 23/11/2020
É perigoso viajar para o Egito? Descubra no relato dessa viajante!
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