A costa brasileira conta com 7.367 km, mas o número de praias com qualidade não é dos mais satisfatórios. Neste verão, apenas 14 praias das 2.095 totais possuem o selo Bandeira Azul, que analisa e reconhece os locais propícios para banho.
Reconhecido por suas belezas naturais, o Brasil ainda precisa reforçar ações de sustentabilidade para garantir que suas maiores riquezas ambientais e turísticas tenham vida útil e prolongada. A partir da qualidade da água é possível mensurar o quão saudável está todo o ecossistema que compõe aquele determinado trecho de litoral.
A pequena quantidade, porém, não tem relação apenas com a carência de iniciativas sustentáveis, mas também com a baixa adesão ao programa por parte dos gestores governamentais, que talvez não saibam ou não queiram se comprometer com as medidas a serem cumpridas de acordo com a iniciativa.
Para a temporada de veraneio 2019/2020, o júri internacional avaliou em reunião em Copenhagen (Dinamarca) que todos os 20 inscritos, entre praias e marinas, no programa de qualificação foram aprovados, o que é um índice positivo para os padrões brasileiros.
O estado de Santa Catarina é tido como exemplo a ser seguido. São 8 praias com qualidade certificada globalmente. Algumas delas passam a aderir ao selo, enquanto outras estão renovando, como é o caso das praias de Balneário Camboriú. O case de sucesso será apresentado no Piauí. Enquanto isso, Jericoacoara entra como a primeira praia cearense a receber a Bandeira Azul.
Confira abaixo todas as aprovadas:
Praia do Tombo, Guarujá (SP)
Atraindo surfistas e amantes da natureza, a bela praia é urbana, mas fica mais isolada, o que garante a sinalização Bandeira Azul de qualidade ambiental. Ou seja, é menos poluída do que as demais. Ainda dentro de seus pontos positivos está o fato de reunir certa estrutura nos arredores, contando com hospedagens e opções gastronômicas.
Prainha, Rio de Janeiro (RJ)
Pequenina, a Prainha com apenas 700 metros de extensão fica no final da praia do Recreio, mas ostenta um belo visual, rodeada por morros e vegetação típica da Mata Atlântica. No mar, os surfistas aproveitam para se jogar nas ondas e reabastecer as energias com suco ou açaí vendidos no quiosques.
Praia da Ponta de Nossa Senhora do Guadalupe, Salvador (BA)
A praia é a menina dos olhos e a mais frequentada da exuberante Ilha dos Frades, em Salvador. Beleza ela tem de sobra, com águas azuis, mornas e cristalinas, uma faixa de mata nativa, mirante e, de quebra, um ótimo restaurante. Recentemente foram implementadas melhorias na acessibilidade, requalificação dos banheiros e dos comércios de praia, implantação de sinalização ambiental, o que garantiu a Bandeira Azul.
Praia da Lagoa do Peri, Florianópolis (SC)
Considerada a melhor praia para crianças em Florianópolis, a Lagoa do Peri conta com água doce, calma, quente e cristalina. Ou seja, garante diversão sem preocupações para a família toda, além de contar com boa estrutura para camping e atender às demandas da Bandeira Azul, que garantem sua qualidade ambiental.
Praia Grande, Governador Celso Ramos (SC)
Com uma grande faixa de areia clarinha e mar limpo, a praia Grande já foi a única do Sul a ter o selo Bandeira Azul na temporada de verão entre 2017 e 2018. É bem movimentada durante os dias quentes e praticamente deserta depois que a estação se encerra. Possui bares e restaurantes próximos.
Praia do Peró, Cabo Frio (RJ)
Cabo Frio tem praias muito bonitas, mas apenas a do Peró tem o privilégio de hastear a Bandeira Azul. Ao longo de seus 7 km de extensão se encontram vários elementos que a tornam perfeita para curtir o dia: dunas, águas limpas, com ondas e temperatura agradável, peixes e quiosques à beira-mar.
Praia do Estaleiro, Balneário Camboriú (SC)
Depois de passar pela instalação e recuperação de equipamentos, a praia do Estaleiro voltou a brilhar. Agora conta com passarelas, decks e postos de guarda-vidas reformados; banheiro, chuveiro, lixeiras e placas informativas instaladas. A praia rodeada por vegetação tem uma faixa de areia dourada e mar com ondas boas para os esportes náuticos.
Praia do Estaleirinho, Balneário Camboriú (SC)
Passando pelas mesmas ações que a praia vizinha, a Estaleirinho ganha esse nome por ser menor, tendo apenas 700 metros de extensão. É tranquila, mas o mar é mais agitado, com ondas que permitem a prática de surf. Conta ainda com bares e restaurantes nas proximidades.
Praia de Piçarras, Balneário Piçarras (SC)
A cidade de Piçarras é uma das mais tranquilas do Estado, e guarda consigo uma praia com ótima balneabilidade. Atrai muitos turistas e moradores durante o verão, enquanto no inverno acolhe apenas pescadores. É ideal para caminhadas, prática de esportes e famílias com crianças, já que o mar parece mais uma piscina de tão calmo.
Praia de Guarajuba, Camaçari (BA)
Concorrendo junto com Itacimirim, na Costa de Camaçari, a praia de Guarajuba é uma das mais frequentadas do litoral Norte baiano. Tem mar calmo, quiosques e restaurantes, sendo atraente para as famílias. A praia teve um banheiro removido recentemente, por não atender à legislação e ocupar a faixa de areia. A prefeitura prometeu novos banheiros, mais adequados, para atender a população, e enfrenta constantemente a ocupação irregular do local.
Praia de Quatro Ilhas, Bombinhas (SC)
Também chamada de Praia de Fora, a praia de 1 km de extensão atrai tanto jovens em busca de diversão quanto famílias. Reúne dois opostos em suas extremidades: do lado direito, surfistas a fim de boas ondas; à esquerda, o mar mais calmo permite que adeptos do snorkeling e stand up paddle tenham vez. Opções de restaurantes, quiosques e hospedagem estão disponíveis. Na pracinha da orla, há academia ao ar livre, playground e um belo mirante.
Praia de Mariscal, Bombinhas (SC)
A praia emoldurada pela restinga preservada apresenta uma beleza sem igual, apreciada por banhistas, surfistas, pescadores e adeptos de uma boa caminhada. Urbanizada, tem cerca de 2 km de extensão, formado por areia branquinha e águas cristalinas, que formam ondas ideais para o surf.
Praia da Malhada, Jijoca de Jericoacoara (CE)
Colocando Jeri na lista, a praia da Malhada tem uma paisagem exuberante, rodeada de pedras banhadas por águas claras, que formam piscinas naturais durante a maré baixa. O mar exige certo cuidado por causa das rochas e das ondas, que atraem os surfistas. Por ser mais isolada, atrai moradores que fogem da badalação. Não há quiosques ou restaurantes.
Praia da Saudade (Prainha), São Francisco do Sul (SC)
Com ondas agitadas e ventos favoráveis para o surf, a chamada Prainha atrai não apenas os adeptos do esporte, mas também pessoas que querem contemplar seu belo visual, cercado por dois costões, águas esverdeadas e areia branquinha. Os bares ficam cheios durante a alta temporada, atraindo especialmente o público jovem, seja de dia ou de noite.
Como funciona a Bandeira Azul
Com início em 1985 na França e expansão em 1987 para outros países da Europa, o programa Bandeira Azul foi criado pela FEE - Foundation for Environmental Education para garantir uma certificação de caráter socioambiental ao redor do mundo, tornando-se ao longo dos anos um respeitado rótulo ecológico.
Desta maneira, estimula práticas sustentáveis em orlas marítimas, fluviais e lacustres, com o intuito de aumentar a conscientização dos cidadãos e gestores, voltando o olhar para a proteção do ambiente marinho e costeiro e incentivando ações que conduzam à resolução dos conflitos existentes.
A cada temporada os locais de interesse devem cumprir um conjunto de 34 requisitos de qualidade socioambiental, divididos em quatro grupos: educação e informação ambiental, qualidade da água, gestão ambiental e segurança e serviços.
O selo não apenas garante que seja hasteada a Bandeira Azul nos lugares selecionados pelo júri internacional, como também os valoriza nos âmbitos ambiental, social, econômico e imobiliário, impactando na qualidade de vida dos moradores. Além disso, com o reconhecimento internacional, acaba atraindo mais visitas e ampliando os investidores.
Para José Archer, presidente Associação Bandeira Azul da Europa, uma praia sem o selo não é necessariamente sem qualidade, mas o programa garante a qualidade da mesma, gerando mais confiança por parte dos visitantes, além de impulsionar as boas práticas. “A implementação do programa é um instrumento de pressão positiva para a alteração de comportamentos a nível individual e coletivo. Sempre acaba ficando alguma coisa dessa participação e muitas vezes é o mote para a mudança”, disse ao Quanto Custa Viajar.
A Bandeira Azul está em 4.573 praias e marinas em 47 países
O advogado vive em Portugal, onde existem atualmente mais de 300 praias com a certificação. A melhoria das condições das praias lusitanas ao longo de 30 anos se deve a alguns fatores, como investimentos em sistemas tratamento de águas residuais; ordenamento do território através dos POOC (Planos de Ordenamento da Orla Costeira); implementação dos sistemas de recolha de resíduos e de limpeza de praias; e manutenção das instalações e equipamentos.
“Com todos os desafios que as alterações climáticas nos colocam, qualquer governo tem a obrigação de estabelecer metas e objetivos para os próximos 10 ou 20 anos que nos orientem nessa direção e caminhada da sustentabilidade. Cabe também aos cidadãos fazerem o acompanhamento da implementação destas politicas e pressionar os governantes para não se desviarem dos objetivos.”
O programa chegou ao Brasil em 2004 e segue em operação pelo IAR - Instituto Ambientes em Rede. Entre as premissas que determinam as praias com qualidade estão balneabilidade, gestão ambiental, educação ambiental e segurança.
Segundo a diretora técnica do programa no Brasil, Leana Bernardi, em geral o interesse pelo programa vem crescendo no país, mas o número de adesão ainda é bem baixo.
“Todos os temas são importantes. Mas sem saneamento e com ocupações irregulares nas praias não há Bandeira Azul”, afirma em entrevista para o Quanto Custa Viajar. “A certificação tem mais sucesso quando o gestor público está comprometido, independente de sua motivação ser sustentabilidade, turismo ou outros. A renovação do selo depende de como os gestores promovem o cumprimento de todos os critérios.”
A especialista em gestão ambiental acredita embora a Europa tenha bons resultados em suas iniciativas, é preciso entender as limitações brasileiras antes de fazer comparações. “Nem tudo que é realizado fora do país pode ser aplicado a nossa realidade. Cada país tem sua legislação e cultura específica“. Ela destaca, porém, que Santa Catarina pode ser considerado um exemplo em âmbito nacional.
Para uma praia participar e ser eleita, é preciso seguir alguns requisitos, como ter ao menos um ponto de coleta para análise de qualidade de água. Autoridades e gestores são então desafiados a alcançar altos padrões de qualidade, que vão da limpeza à acessibilidade.
No Brasil, a Bandeira Azul atua por temporadas regionais: Sul e Sudeste de dezembro a março; Norte e Nordeste anual; praias fluviais do Norte de junho a setembro; praias fluviais do Centro em datas a serem definidas.
O que nos impede de ser melhores?
Certamente, uma junção de fatores complica as condições ambientais do Brasil, a começar pela falta de saneamento básico nas praias, um dos principais motivos que as tornam impróprias para banho.
É um problema de gestão somado à educação da população, que resulta em desarmonia ambiental. Assim como demanda a sustentabilidade, está tudo intrinsecamente ligado pois uma coisa depende da outra para funcionar plenamente.
Apenas 45% do esgoto no Brasil é tratado, de acordo com estudos do Instituto Trata Brasil. A natureza acaba recebendo 55% da poluição gerada pelas pessoas. “Em dias de chuva em São Paulo, o rio Pinheiros fica cheio de garrafas PET que não foram descartadas apropriadamente. A economia circular também não é fomentada”, aponta o doutor o em Ciências Biológicas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), Alexander Turra.
“Os problemas ambientais são bastante complexos. Não se resumem à banimento de canudo, muito pelo contrário. É uma discussão profunda que envolve mudança de comportamento, de postura do governo e da iniciativa privada”.
Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) foram divulgados apenas em 2018, mas correspondem ao ano de 2016. Na época, foi constatado que mais de 100 milhões de pessoas não têm saneamento básico no país, o que significa que parte delas sequer possui um vaso sanitário em casa. O acesso à algo tão básico como a água potável também não chega a 35 milhões de brasileiros. Seria preocupante se não fosse desesperador o tamanho da desigualdade…
A coleta de esgoto em números, por região:
- Norte: 10%
- Nordeste, 26%
- Sul: menos de 44%
- Centro-Oeste: 53%
- Sudeste: 78%
Tais números afetam não apenas a qualidade de vida e a saúde da população, mas também chega aos destinos de férias de tantas outras, simbolizando que existe uma conexão entre todos os habitantes, independente de sua situação econômica.
Caso o país universalizasse os serviços de saneamento básico, o que seria feito ao longo de 20 anos, seriam ganhos R$ 7 bilhões em turismo de acordo com o estudo de projeção realizada pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) em parceria com o Trata Brasil. Com praias próprias para banho também há geração de emprego. Só no Rio Grande do Norte seriam criados mais de 18 mil postos de trabalho caso a situação se regulamentasse.
“Podemos dizer que o saneamento impacta a qualidade da água e da areia para banho e recreação. O óleo é outra questão, além de outros tipos de acidentes, como o rompimento da barragem de Mariana que contaminou as praias com metais e sedimentos de origem diferente, levando a um prejuízo.”
Os impactos ambientais são explicados e reforçados biólogo. Turra conta que praias urbanizadas, com ruas, quiosques e prédios, começam a sofrer um processo de erosão devido a falta de dinâmica sedimentar, ou seja, a interação entre os elementos que a compõem, como ventos, água e areia.
O desequilíbrio causado pela presença humana ou estrutural pode acabar nos deixando sem praia futuramente. “São vários fatores, desde o pisoteio na areia, que é repleta de microorganismos, até a ocupação irregular e as usinas, que alteram o fluxo das águas. A soma de tudo isso faz com que a gente não tenha biodiversidade ocupando o local e, portanto, não exista mais a praia“.
Com a geração de lixo, o problema maior no fundo do mar acaba sendo a ingestão de materiais e o emaranhamento de uma rede de pesca. Microplásticos acabam afetando muito mais organismos do que os itens maiores, ameaçando as espécies marinhas.
Nas praias se encontram apenas 20% dos resíduos gerados pelos seres humanos. O restante está afundado.
A qualidade da água nas costas brasileiras vem sendo uma preocupação ainda maior. Com o esgoto chegando em vias fluviais não-poluídas, começa a acontecer a eutrofização, processo de proliferação de algas marinhas que acumulam bactérias, reduzem o oxigênio e resultam em zonas mortas.
Outro problema nas praias brasileiras é que a avaliação feita por órgãos públicos é atrasada em pelo menos uma semana. Ou seja, a sinalização verde ou vermelha nunca condiz com o dia em que é comunicada aos usuários, mas sim com o dia em que a água foi coletada, abrindo para margem de erros.
Um bom indicador aos banhistas é a chuva, porque boa parte da poluição vem pelo fluxo dos rios. “A princípio as bactérias duram de um a dois dias na água, então é bom evitar entrar no mar logo após o período de chuva. Mas o ideal mesmo é ter dados científicos. Ou melhor, rios sem poluição”.
A situação dos balneários ficou ainda pior nos últimos seis meses, quando toneladas de petróleo surgiram no litoral do país. A suspeita é de que o vazamento seja de um navio grego. Até novembro, 720 praias foram afetadas pelo desastre ambiental, que foi do Nordeste à região Sul.
Sem monitoramento adequado, clareza de informações e agilidade de ações por parte do governo, ficou ainda mais distante a tentativa de conter ou reparar os danos. “O que vemos chegando às praias é uma pequena parte do que foi vazado porque boa parte vai para a atmosfera e boa parte vai para o fundo do mar. Nos mangues e corais o óleo dificilmente será retirado. Assim o impacto será mais duradouro”.
Ainda não se sabe qual é a quantidade de óleo lançada no mar e até onde irá;como afetará a cadeia alimentar e quais dos animais serão, eventualmente, consumidos. “Os pescadores de subsistência não conseguem pegar o peixe nem para vender, se quisessem, e nem para comer. Fica um prejuízo econômico e social muito grande“, ressalta Turra, que teme riscos futuros.
Com o órgão público ambiental fragilizado, sem os devidos recursos e autonomia, não há natureza que se renove a tempo de tanto descaso. Na sua próxima ida à praia, lembre-se de que aquela paisagem toda está constantemente ameaçada pela simples presença humana.
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