Com pouco mais de um mês de vida, o SisterWave promete revolucionar a vida de mulheres viajantes. O serviço oferece uma rede de acomodação similar ao Airbnb, porém com foco no público feminino.
Idealizada pela designer e fotógrafa Jussara Pellicano Botelho, 30 anos, a plataforma busca questionar o que ela chama de “toque de recolher invisível”, o estigma social que impede as mulheres de andar pelas ruas à noite.
“Se elas desafiam isso, de alguma forma, elas ‘estavam pedindo’ para algo acontecer, quando, na verdade, elas só estão exercendo um direito humano fundamental, o de ir e vir. Também muitas vezes julgam errado a mulher viajar sozinha, mas quando é um homem, ele pode, ele não é questionado“, lembra Jussara.
SisterWave: acomodação e sororidade
A empreendedora se considera uma pessoa curiosa e com muita sede de conhecimento. Como todo bom viajante, adora aprender sobre novas culturas, religiões e visões de mundo ou, como define, são todas “partes de um quebra-cabeça, em que cada peça é importante”.
Foi apostando no poder da empatia que realizou suas primeiras viagens através do Couchsurfing, uma rede de troca de acomodação. Apesar de nunca ter tido experiências ruins, a insegurança sempre pairava no ar quando chegava em uma nova casa e Jussara percebeu que esse medo não era apenas uma característica sua, mas sim uma experiência vivida por praticamente todas mulheres viajantes.
Foi a partir dessa vivência que surgiu a ideia de criar uma rede com foco na sororidade, em que mulheres ajudassem umas às outras. A SisterWave foi o resultado desse processo, como uma plataforma que busca diminuir os obstáculos enfrentados pelas mulheres e aumentar a nossa liberdade. No momento, o serviço se restringe à oferta de acomodações pelo Brasil, mas Jussara garante que há grandes planos de expansão para os tipos de serviços oferecidos. Em comum, todos devem se basear nos pilares da empresa: sororidade, empoderamento, cosmovisão e inspiração.
Batemos um papo por e-mail (vulgo entrevista) com a Jussara, para conhecer mais sobre o projeto e os planos da rede para o futuro. Confira abaixo tudo que a empreendedora nos contou!
Equipe Quanto Custa Viajar – Como surgiu a ideia de criar uma rede de acomodação só para mulheres? Foi baseado em alguma experiência pessoal?
Jussara Pellicano Botelho – Em 2015, eu fiz a minha primeira viagem internacional sozinha e uma das primeiras da vida. Meu sonho ainda não era ser uma viajante, uma nômade digital, mas sim conhecer o Butão, esse país asiático em que felicidade é uma política de governo.
Ao invés de terem o PIB (Produto Interno Bruto) eles possuem o FIB (Felicidade Interna Bruta ou Gross National Happiness, em inglês) e possuem diversas métricas para medir a felicidade, como contato com a natureza, confiança nos governantes, diversidade cultural, saúde, padrão de vida, entre muitos outros, mas o que mais me marcou foi a gestão equilibrada do tempo.
Toda essa lógica me fascinou e queria ver de perto como funcionava. Eu e uma amiga, Marina Moares, que também se encantou pela ideia, nos planejamos para realizar isso. O plano era: ela ficaria 20 dias comigo, nos quais iríamos para a Tailândia e Butão, depois voltaríamos para a Tailândia e ela voltava para o Brasil e eu ficava mais um mês sozinha. Em outubro de 2015 embarcamos. A ansiedade e o medo eram tão grandes que uma semana antes eu estava pensando seriamente em desistir de realizar meu sonho por medo do desconhecido.
Esses dois países me ensinaram muito. Vi como o nosso presente é realmente o que temos. E como muitas vezes nós deixamos para depois os nossos planos e sonhos, como se tivéssemos a garantia de que teremos todo esse tempo para viver. A nossa única garantia é o presente e esquecemos de vivê-lo por estarmos cheio de atribuições, que muitas vezes fazemos para cumprir com o status social.
Na Tailândia, conheci muitas pessoas que estavam viajando por muito tempo. Seis meses, 1, 2 anos. De início, pensava que eles eram muito ricos para poder fazer isso. Mas, ao conviver por mais dias, vi que não. Na verdade, a grande diferença era que eles não estavam viajando de férias. A viagem era um estilo de vida. Essas pessoas viajavam e trabalhavam ao mesmo tempo. Eles eram nômades digitais. Vi que eu, como designer e fotógrafa, também poderia ser.
Quando voltei para o Brasil, nenhum dos meus projetos anteriores estava fazendo tanto sentido quanto dar uma volta ao mundo. O plano era, e ainda é, conhecer todos os continentes. Uma outra grande amiga, Rebeca Guedes, se empolgou na ideia comigo. Viajamos 6 meses pela América do Sul, tiveram momentos em que nós nos separávamos e nos reencontrávamos depois. Voltei para o Brasil e depois fiz um mochilão de 3 meses na Europa. Lá, experimentei pela primeira vez o CouchSurfing, uma rede de viajantes que oferece hospedagens colaborativas gratuitas. Já conhecia a rede faz tempo, tinha afinidade com a ideia, mas ao mesmo tempo tinha muito receio por conta de assédio e abusos, sobre os quais já ouvi relatos.
As experiências que tive foram muito boas. Mas o medo era sempre uma constante. Conversando com outras mulheres, vi que esse medo não era só meu, que a viagem de uma mulher é gritantemente diferente da de um homem em relação à quantidade de ações que temos que fazer ou nos privar de fazer para nos sentirmos mais seguras.
Depois desse mochilão e com todas as experiências acumuladas sobre o que é ser mulher viajante sola, eu voltei para o Brasil com uma ideia em mente: fazer uma rede de apoio global para a mulher viajante. Umas 2 semanas após minha chegada, soube que ia ocorrer o Startup Weekend Woman – Brasília (um final de semana imersivo para o desenvolvimento de uma ideia de negócio inovadora, rentável e escalável, uma startup).
Parecia o evento ideal para levar essa ideia para ser desenvolvida. Ainda mais pela temática desse evento ser feminina. E assim foi, participei do final de semana intenso e nossa equipe ganhou o primeiro lugar, ganhamos várias consultorias e vantagens para desenvolver nosso negócio.
A hospedagem entre mulheres a preços acessíveis é apenas o primeiro passo. O nosso objetivo é que cada vez mais mulheres se sintam livres e possam viver experiências tão transformadoras e empoderadoras que uma viagem sozinha pode trazer. Sempre uma apoiando a outra. É a sororidade em forma de empresa.
Equipe QCV – Por enquanto, as acomodações são disponibilizadas apenas em algumas cidades brasileiras. Há planos de expansão para o exterior no futuro?
Jussara – Desde a concepção da startup, pensamos ela globalmente, quebrando as fronteiras e fazendo novas pontes. Acredito na troca cultural como uma das grandes formas de pacificar a humanidade, de ampliação de visão de mundo e uma grande forma de aprendizado. Nesse intercâmbio, todas crescem e ganham. Estamos tecendo uma rede de mulheres do mundo que se reconhece como uma família, por isso o nome SisterWave. A escolha de um nome em inglês também veio dessa intenção de globalizar, pois é a língua mais falada no mundo.
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Equipe QCV – Como é feita a seleção das anfitriãs? Elas passam por algum tipo de confirmação de identidade?
Jussara – Nosso processo todo é para trazer segurança e tranquilidade para as sisters (as participantes da rede). Nós conferimos cada um dos perfis individualmente, pedimos uma série de dados pessoais que são confidenciais e, dentre eles, a foto de documento (passaporte, identidade ou carteira de motorista). Também na foto de perfil temos algumas exigências para trazer mais segurança para a rede, que é para mostrar o rosto como em uma 3×4. Mostrar olhos, boca e nariz, com uma boa iluminação, de perto, sem careta, disfarces, focada. Se tiver algum erro nessa conferência de dados do perfil, entramos em contato com a sister.
Outros fatores de segurança para a rede é que só é possível acessar o perfil das anfitriãs cadastradas depois de ser uma sister válida, ou seja, depois que houver completado corretamente todos os itens obrigatórios do perfil padrão. Além disso, a duas sisters têm acesso ao perfil uma da outra, no qual é possível saber um pouco mais sobre aquela mulher da rede, valores, experiências, o porquê a rede é importante para ela e interesses.
Nós temos uma ferramenta que cruza interesses em comum no momento da busca do destino, em que aparecem primeiro as sisters que possuem mais interesses em comum. Assim, a chance de surgir uma grande afinidade e das dicas locais serem mais certeiras são bem maiores.
Além disso, ao final de toda a hospedagem, tanto a anfitriã tanto a viajante são avaliadas, e essa avaliação fica visível no perfil de cada uma, funcionando como um histórico de experiências anteriores para trazer mais confiança.
Equipe QCV – Apesar de ser uma rede voltada ao público feminino, o SisterWave também permite que as anfitriãs recebam homens ou que existam homens nas casas que irão receber hóspedes, sempre deixando essa informação visível. As usuárias têm utilizado esse recurso ou a rede ainda mantém um público quase que exclusivamente feminino?
Jussara – Na rede em si, só podem entrar mulheres. Porém, tanto do lado da viajante quanto do lado da anfitriã, podem haver homens e ambos os lados podem escolher não receber ou não se hospedar em um lar que tiver homem(ns), mas eles devem ser sempre sinalizados. Por exemplo: a sister vai viajar com o namorado, no momento de fazer a busca, ela tem que avisar isso e só aparecerão anfitriãs que estão dispostas a receber mulheres que estejam na companhia de um homem.
No caso oposto também. Por exemplo, a viajante vai saber na pesquisa se na casa da anfitriã moram outros homens e pode optar em ficar na casa onde só morem mulheres. Ou seja, sempre que tiver, é preciso que seja sinalizado. Nada de homens como surpresa!
Equipe QCV – Desde quando a rede funciona e como tem sido a resposta recebida? Há alguma estimativa de quantas pessoas já reservaram hospedagem através da plataforma?
Jussara – A plataforma foi lançada no dia 6 de dezembro de 2018. A receptividade está sendo grande, as pessoas se envolvem bastante com a proposta. Temos o desafio das mulheres terminarem de preencher os seus perfis. Por exigir muitos dados, muitas pessoas deixam de completar. Já temos mais de mil mulheres que se registraram, mas apenas 118 delas terminaram de preencher seus perfis e são consideradas sisters válidas. Como sisters anfitriãs, a proporção é semelhante. Mas esse perfil completo é muito importante para o fortalecimento da confiança na rede e das mulheres entre si.
Gostei bastante da postagem. Meu espírito me manda viajar e essas informações vão me ajudar . Muito grata.
Gostaria de participar pois estou com a ideia fixa de liberdade. Tenho 64 anos minha filha 32 e vamos conhecer lugares. Posso ser anfitriã. Moro em Friburgo num sítio.
Olá Sueli, entre no site da SisterWave para maiores informações!