Compartilhar. Talvez essa seja a palavra que melhor define uma bela refeição. Sentar e comer ganha novos significados a partir das companhias com quem a gente divide o pão. Ou a pizza. Faz 61 anos que a Pizzaria Speranza, em São Paulo, abarca longos jantares, de famílias que mantém a tradição viva por gerações a fio, seja na administração do espaço ou nos encontros.
Tudo começou no bairro Brooklin em 1958, quando a família Tarallo, recém-chegada ao Brasil diretamente de Nápoles, a capital da pizza napolitana, abriu uma pequena pizzaria com apelo de suas próprias origens. O casal Francesco e Speranza, junto aos filhos Antonio e Giovanni, foi quem trouxe esse tipo de redonda para São Paulo, elaborada com massa média, aberta com as mãos e nunca com rolo, coberta com farto molho de tomates que não escapa da borda fofa, assada em forno a lenha em alta temperatura, entre outras características de origem.
Com o talento nato, não tardou para encontrarem o casarão no Bixiga, distrito onde já se espalhavam cantinas, que tornaram a região muito propícia e conhecida pela qualidade dos pratos. Hoje, infelizmente são poucas as que estão resistindo à especulação imobiliária e aos endereços hypados da cidade.
Mas a Speranza, nome que também fazia alusão ao sentimento de esperança de quando eles vieram ao Brasil, é a última que morre. Segue desde 1961 costurando uma longeva jornada alimentada por 100 kg de manjericão, 4,5 toneladas de farinha de trigo e 5 toneladas de tomates, só para citar alguns números mensais do consumo nas três unidades que possuem na capital, sendo mais uma em Moema, na ativa há 40 anos, e outra em Santana, apenas para delivery. A média de pizzas feitas por mês é de 12 mil.
No casarão de dois andares, onde antes viveu a família até meados de 1979, o público se acomoda em pelo menos cinco ambientes, com 320 lugares. Uma reforma recente, que durou 1 ano e meio, abriu duas novas salas, uma varanda, um jardim com ervas e mais um forno, sem deixar de lado as características originais do imóvel.
A família segue na administração do negócio. A matriarca faleceu em 1990, deixando a administração para os filhos e, atualmente, são os netos que levam negócio para frente, cada qual com sua devida função: Mônica nas receitas da cantina; Francesco na gastronomia da pizzaria; Paola no marketing e administração; e Marcela ajuda a cuidar do financeiro, mesmo não atuando diretamente.
Com tanta prosa e tantos acontecimentos, os Tarallo são fonte para a história do livro “Speranza 60 Anos – Ieri, Oggi, Domani”, que em italiano significa ontem, hoje e amanhã, lançado em 2019 pela editora DBA.
O funcionário fiel
No meio da história toda, alguns funcionários se tornaram praticamente uma extensão da família, chegando a passar boa parte de suas vidas nos restaurantes Speranza, dando um tom ainda mais tradicional para as casas. Não é difícil encontrar pessoas com 36 a 38 anos de carreira na Speranza. Mas o mais antigo deles é José Andrade Souza, ou melhor, Zé Madrinha, que em 2019 completa 50 anos na função de pizzaiolo, ali no Bixiga.
Ao completar 18 anos, Madrinha deixou Montesanto, sertão baiano, para encarar de frente a vida adulta que se iniciava. Na época, o pai havia falecido, deixando nove filhos pequenos. Por ser o mais velho entre os irmãos, ele chegou a capital paulista em 1969 com o intuito de arrumar trabalho para enviar dinheiro a família.
Chegando em São Paulo, foi morar na rua Martiniano de Carvalho, a pouco mais de 1 km da pizzaria. Embora não soubesse no que daria sua mudança de vida, parece que nada é por acaso mesmo. Não demorou nem uma semana para o destino cruzar sua história com a da família Tarallo.
Com experiência apenas no trabalho na roça, saiu pelas ruas em busca de um oportunidade, e passou pela cantina. Perguntou se havia algum emprego e a resposta foi positiva. “Naquele tempo tinha muito serviço na cidade. Não fiquei pulando de trabalho pra ganhar de pouquinho em pouquinho ou até a mais. Quis ficar aqui, os italianos eram legais comigo. A Dona Speranza era valente demais e era brava comigo, mas me tratava que nem um filho”, contou ele, rindo das memórias.
Era dia 1º de outubro de 1969 quando teve seu registro em carteira, que nunca se apagou. “Já fui logo trabalhar na cozinha. Não sabia nada, minha filha! Mas sou inteligente, rapidinho fui aprendendo. O Genaro, amigo do seu Antônio lá da Itália, que me ensinou as coisas. E depois eu repassei para os demais. Ensinei tanta gente! Estão espalhados até no Nordeste os pizzaiolos”.
E não pense que o ofício na cozinha, feito há tantos anos, é fácil. Ele recordou que já chegou a fazer 525 pizzas numa noite de sábado, quando a Speranza estava no auge de seu sucesso. Hoje, o número fica, em média, 330 unidades. “A massa fermenta por 24 horas, mas a pizza precisa estar pronta em três minutos, para chegar na mesa sem perder a qualidade”, afirmou com a convicção que só a experiência traz.
Com todos esses anos de casa, viu netos e bisnetos de Dona Speranza crescerem, acompanhou a rotina de muitos colegas e conheceu muitas celebridades, que por um período de 10 anos participaram do chamado Dia da Pizza, evento beneficente que convidava artistas da TV e da música para, literalmente, colocar a mão na massa. “Lembro do Antonio Fagundes, que fez mais sujeira do que massa aqui! Voava farinha, molho pra todo lado…a gente se divertia”.
Depois de criar e formar seus três filhos, um homem e duas mulheres gêmeas, em São Paulo, Madrinha poderia até ter voltado para o Nordeste, mas diz que pai é tudo “bestão” e optou por não sair de perto das crias. Deu pra notar que ele é um cara com raízes bem profundas no que faz?
Embora esteja aposentado há 16 anos, Madrinha também se recusa a largar a avental. “Não gosto de ficar em casa. Ligo a televisão e só tem coisa ruim. Prefiro ficar aqui! O pessoal gosta de mim, os fregueses vão ali conversar comigo. Vem gente da Itália, do Japão, da Espanha. Ocupo a cabeça trabalhando e batendo papo”, orgulha-se.
O que pedir na Speranza
O menu da casa é uma atração à parte. Não há dúvidas de que daremos garfadas em pratos elaborados com ingredientes de qualidade e que caem bem no paladar ao longo de, até o momento, três gerações. Além das pizzas, a Speranza também serve saladas, risotos e massas, com o molho da mamma ao sugo, que Zé Madrinha diz ser viciante.
Abrindo os trabalhos, a sugestão é pedir o Tortano, pão de linguiça napolitano, que assim como o calzone, foi introduzido ao Brasil pela família. A receita inteira é gigantesca, chegando a pesar 7 kg. Mas calma, a porção é fracionada, embora há chances de você querer comer tudo isso mesmo. Escolha certeira para não fazer feio com os amigos ou o crush da vez.
Tem também a opção gratinada, com catupiry, mozzarella e parmesão. Outra delícia para dividir antes de atacar o prato principal é o Crostini, massa de pizza assada e temperada, com alecrim, orégano e um pouco de sal. Bruchettas, capponata e tostada com pasta de alho também aparecem como entrada.
Na hora de pedir ela, a redondíssima que sempre está entre as mais faladas da capital da pizza, não deixe de provar aquela que deu fama aos Tarallo, a Napolitana, também importada por eles. Molho de tomate, queijo e manjericão são uma combinação de sucesso, mas aqui ganham mais corpo devido à qualidade dos ingredientes e uma massa bem fermentada.
Segundo round, fomos de Fondutta, uma explosão de queijos, indicada para quem se joga de corpo e alma na lactose. Muito saborosa e crocante! E, para a comemoração sexagenária, lançaram ainda uma nova pizza de Burrata, acompanhada de tomate cereja, rúcula, nozes e parmesão.
Para acompanhar as delícias cheias de glúten peça o vinho de comemoração aos 60 anos da casa, que é leve, saboroso e servido geladinho. Finalizando os trabalhos, seguindo a prancheta das tradições, pedimos uma Pastiera di Grano, que não pesa a mão no açúcar. A torta feita desde 1958 pela família é um doce típico de Nápoles, feito à base de creme de ricota e trigo. É leve como o vinho, perfeita para quem já vai rolando para casa, porém feliz.
Quanto custa
Um jantar para duas pessoas, com entrada, uma pizza, uma garrafa de vinho e sobremesa, fica em torno de R$ 200,00. Confira o cardápio completo no site oficial.
Como chegar
A unidade do Bixiga fica na rua Treze Maio, número 1004 – Bela Vista. Sem metrô tão próximo, porém com linhas de ônibus na porta. Já a de Moema fica na Av. Sabiá, 786, com estação de metrô a apenas 270 metros de distância.